
Uma pesquisa inédita da Universidade de São Paulo confirmou: o Brasil é o país mais miscigenado do mundo. O estudo revela que a maioria dos brasileiros descende de homens europeus com mulheres africanas e indígenas, escancarando a violência histórica da colonização – marcada por estupros, apagamento de homens africanos e indígenas e o mito da harmonia racial. Esses dados ajudam a explicar não só a formação da sociedade brasileira, mas também o sucesso de personagens como Odete Roitman, a icônica vilã da novela Vale Tudo.
Odete é o retrato da elite brasileira que rejeita o país que a enriqueceu. Em 1988, já dizia odiar o Brasil e o povo brasileiro, afirmando que “o Brasil é uma mistura de raças que não deu certo”. Curiosamente, se ela própria fizesse um teste de DNA, talvez se surpreendesse com sua ancestralidade. Sua fala carrega o mesmo desprezo de uma elite que, como definiu a pesquisadora Cida Bento, firma o “pacto da branquitude”: um esforço histórico para manter os brancos no topo, apagando ou rejeitando o legado africano e indígena do país.
Na nova versão de Vale Tudo, Odete permanece atual. Critica pautas sociais, é acusada pelo próprio filho de comandar uma empresa que finge inclusão, mas explora funcionários e desvaloriza mulheres. Ainda assim, nas redes sociais, ela virou ícone pop: suas falas viram memes, seu sarcasmo gera identificação e até iração.
A escritora e pesquisadora Ana Paula Gonçalves, autora do livro O Brasil Mostra a Sua Cara: Vale Tudo – a telenovela que escancarou a elite e a corrupção brasileira (Autografia, 2024), analisa o fenômeno da personagem com um olhar crítico e antropológico. Para ela, Odete representa o retrato fiel de uma elite que lucra no Brasil, mas se recusa a se reconhecer como parte dele.
Ao confrontar a pesquisa sobre a ancestralidade brasileira com o retrato de Odete Roitman, surge uma provocação: será que a elite brasileira está disposta a encarar a verdade sobre suas origens? Ou vai seguir, como Odete, tentando fingir que é europeia até o fim?