
Por Antonio Gonçalves* — O uso de drone ainda não é regulamentado no Brasil. Todavia, não é pela falta de tipicidade no ordenamento jurídico, que está liberada toda e qualquer ação com o aparelho. Nos últimos dias foi possível notar a violação de espaço por parte de drones. Primeiro, em uma partida no torneio de tênis Rio Open, inclusive, um tenista ficou tão irritado com a proximidade e o barulho produzido pelo aparelho que tentou acertá-lo com uma bola de tênis. O dono não foi localizado.
Segundo, em uma atividade de esfera privada, pois um drone aparece na janela de uma moradora em uma praia do litoral sul de São Paulo, a flagra desnuda e permanece parado defronte dela por um longo período, uma clara violação à intimidade e à vida privada. Novamente, o drone não teve seu dono localizado e a moradora afirma não ter sido a primeira vez que tal invasão ocorreu.
Apesar de não termos uma regulamentação para o uso de drone, o proprietário ou usuário está ileso de responsabilidade? Longe disso.
No segundo caso, temos condutas penais consumadas: violação de domicílio (art. 150 do Código Penal), interceptação ilegal de comunicações (art. 10 da Lei 9.296/96) e registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B do ). Além disso, se houver uso de imagens de nudez obtidas pelo drone temos a violação ao artigo 218-C também do Código Penal.
Já para o primeiro caso, temos algumas dificuldades adicionais pela falta de regulamentação, afinal o torneio é público e os tenistas podem ser filmados e fotografados durante os jogos, tanto pelo público quanto pelos profissionais cadastrados e credenciados para cobrir o evento. Porém, diante dos direitos autorais, qual a responsabilidade do proprietário ou usuário do drone ao invadir o jogo, sem autorização e fazer uso de imagens não autorizadas? Turbar a paz do jogo, deixar o aparelho em uma distância não segura a ponto de incomodar os participantes? Claro está que tal conduta é ível de reparação civil.
No entanto, a pergunta óbvia é: como responsabilizar quem não é identificado? Afinal, dependendo da qualidade do aparelho, o usuário ou proprietário pode não estar exatamente no local, mas sim, em suas proximidades, de maneira oculta e protegida. Eis o desafio, tanto das autoridades quanto da pessoa invadida. A primeira providência é filmar o drone a fim de obter indicativos acerca do seu número de série. Com ele, as autoridades poderão localizar seu proprietário e, por conseguinte, o ele ser responsabilizado civil e/ou penalmente por suas ações. Também é possível observar para onde vai o aparelho para localizar seu detentor, porém a depender da distância, tal tarefa não é tão simples de se realizar, ainda mais, aliada à velocidade que o drone é capaz de alcançar.
É claro que o uso de drone precisa ser mais bem regulamentado no Brasil, porque o que temos é uma regulação indireta e penalidade e sanção aplicadas por condutas e não por mau uso específico. Tampouco, há uma normatização personalíssima para os drones e seus usuários em território nacional.
A Lei 7.565/86, o Código Brasileiro de Aeronáutica, prevê aplicação de multa para aqueles que não respeitarem os espaços aéreos, mas a legislação é anterior aos drones e não há uma parte específica na norma sobre o tema. Enquanto a atualização normativa não chega, o Judiciário deve aplicar o Código Penal e o Civil, se for o caso, para proteger as vítimas.
Questões como vida privada, intimidade, propriedade intelectual, direitos autorais, são preceitos constitucionais que devem ser preservados e protegidos. Assim, o arcabouço normativo existente deve ser aplicado quando do mau uso do aparelho. Esses dois casos aqui trazidos são apenas algumas das várias violações que podem ser praticadas por um usuário de drone malicioso e que almeja ter uma vantagem indevida para a prática de ilícitos, não obstante o aparelho pode ser usado para fins ainda mais ilícitos.
As organizações criminosas, há algum tempo, usam os aparelhos para entregar celulares nos presídios, drogas, armas e até equipam o drone com granadas no enfrentamento com as autoridades policiais. Portanto, as violações do uso do drone transcendem o ambiente privado e podem alcançar a esfera pública.
O Congresso Nacional deve estar atento às modernidades da sociedade e criar leis que regulem comportamentos, especialmente, quando há excessos e consequências que afetem a sociedade brasileira. O uso ilegal e, principalmente, o mau uso dos drones já justificam a criação de uma lei regulando o tema e prevendo penalidades aos seus usuários.
O direito caminha em pario com a sociedade, todavia para o leigo, há a falsa sensação de atraso no tocante aos abusos e excessos. A verdade é que o direito tem por condão criar responsabilidades quando não se obedece ao senso comum. Para tanto, é necessário que as infrações ocorram e prejudiquem a terceiros para que o ordenamento jurídico seja instado a criar uma norma.
Quando tal carência é identificada, aí é chegado o momento de o legislador nacional edificar uma lei e criar uma sanção para aqueles que não respeitarem os ditames da Constituição Federal.
Sobre o drone, intimidade, violação da vida privada, vida são apenas alguns dos preceitos que têm sido violados. Agora, que o legislador faça seu papel e, enquanto a norma não é inserida, que o Judiciário puna os infratores de acordo com o regramento penal e civil.
O que não pode acontecer é uma pessoa ficar com medo de abrir suas cortinas, que atividades ao ar livre tenham de ser controladas por conta de alguns que se aproveitam ilicitamente do uso da tecnologia para proveito próprio. Que se apliquem as punições devidas.
*Advogado criminalista. Pós-doutor em desafios em la post modernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, pós-doutor em ciência da religião pela PUC/SP, pós-doutor em ciências jurídicas pela Universidade de La Matanz