Música

Climério e os irmãos Clodo e Clésio recebem homenagem de Cidadão Honorário

Os irmãos Clodo, Climério e Clésio serão homenageados hoje na Câmara Legislativa do DF com o título de cidadãos honorários de Brasília

Clodo, Climério e Clésio Ferreira: os irmãos piauienses se tornaram candangos na interação com Brasília
 -  (crédito:  Elza Fiúza/CB/D.A Press)
Clodo, Climério e Clésio Ferreira: os irmãos piauienses se tornaram candangos na interação com Brasília - (crédito: Elza Fiúza/CB/D.A Press)

Os irmãos Ferreira aterrissaram na cidade no início da década de 1960 atraídos pela possibilidade de estudar na Universidade de Brasília. Trouxeram na bagagem toda uma carga afetiva e cultural do Piauí. Mas, no contato com a capital modernista, eles se tornaram candangos, na interação com UnB, a bossa nova, o tropicalismo e os sinais da cultura pop internacional. Eles foram os primeiros artistas brasilienses a alcançar reconhecimento nacional amplo com o sucesso de Revelação, Enquanto engoma a calça, Ave coração e Riso cristalino, entre outros.

No entanto, por não pertencerem a nenhum grupo e por serem compositores, eles ficaram em segundo plano, sem alcançar a distinção dos cantores ou de outros movimentos. No entanto, nesta segunda-feira (5/5), Clodo, Climério e Clésio serão homenageados com o título de cidadãos honorários de Brasília. Para Climério, o único remanescente da tríade, a iniciativa do deputado Chico Vigilante, aprovada pela Câmara Legislativa, é motivo de alegria. Porque o rock brasiliense obteve reconhecimento pela explosão comercial e pela repercussão cultural. O Clube do Choro também foi agraciado. Por isso, é gratificante ser reconhecido, oficialmente, pela cidade na qual cresceram e contribuíram para a criação de uma identidade cultural.

E, nesta entrevista, Climério fala sobre as diferenças entre os três irmãos Ferreira, como se tornaram brasilienses, o peso do legado da cultura piauiense, o impacto da Universidade de Brasília e o sentido do reconhecimento oficial

Entrevista//Climério Ferreira 

Os três irmãos Ferreira são vistos por alguns como se fosse irmãos siameses, completamente parecidos. Mas, na verdade, vocês são muito diferentes. Quais são as singularidades de cada um?

Olha, eu acho que temos nossas capacidades e interesses diferentes. O Clodo era o mais apto para a diversificação de compor. Tocava vários instrumentos, dominava a linguagem musical e fazia letras. Além disso,  imaginava arranjos do ponto de vista da canção. Clésio era mais letra e música, principalmente música, trabalhava muito com Clodo. E eu sempre fui mais das letras.  Clodo era amigo de todo mundo em Brasília.  O Clésio era tido como um excelente professor de língua portuguesa, era o cara das letras. E eu sou um cara da comunicação, não era amigo de todo mundo, mas era amigo de pessoas criativas.

Como você percebe que cada um dos três irmãos Ferreira se relacionaram com Brasília e se tornaram brasilienses?

Eu trouxe comigo o Piauí, no que fazia, no modo de compor, no interesse pela cultura e nos amigos. A minha influência do Piauí é, principalmente do interior, de Regeneração e de Angical. Ainda são  os lugares onde eu prefiro ir. O Clésio era um cara que veio ainda sujeito a se interessar por aqui. O interesse dele era muito , concentrado na língua portuguesa, logo se tornou  um professor exemplar. O Clodo veio menino, com 13 anos, se criou aqui e terminou de criar aqui. Sempre ligado à música, aos conjuntos de baile de Taguatinga. Mas, depois, foi se firmando individualmente. Quando ele tinha 15 anos, fizemos a primeira parceria, em Taguatinga. Ele gostava de show, de gravação e de estúdio. Eu não gosto.

Você viveu no Núcleo Bandeirante e vocês todos moraram em Taguatinga? Qual a importância dessa experiência para uma percepção mais completa de Brasília?

Vim morar em Brasília com 18 anos, o Núcleo Bandeirante era o lugar de chegada. Naquela época, morar no Núcleo Bandeirante ou em Taguatinga significava morar fora.  E Taguatinga me lembrava muito Teresina. Em Teresina, embora não tivéssemos condições melhores, morávamos no centro da cidade. Então, em Brasília, tivemos esse aprendizado de morar em uma periferia. O Plano Piloto esconde as diferenças, nunca cruzei com essas políticos famosos na cidade.  

É possível dizer que vocês foram forjados, em grande parte, pela UnB? O que significa ser forjado pela UnB?

Sim, de certa forma, formos criados pela UnB. Mas, de outra parte, a universidade te separa da cidade. Ao menos no meu tempo, a gente via palestras maravilhosas, recebia dicas de livros, via mostra de filmes. Então, a UnB se bastava, você vivia fechado naquele mundo. Os amigos também eram professores. O mais distanciado dessa brincadeira fui eu. Primeiro, por causa da política, nunca fui político praticante, nunca me encantei por uma área do conhecimento. O Clésio era ligado às letras. O Clodo participou bastante da política educacional.

Como foi a experiência pessoal de professor?

Eu me assustei quando os alunos me chamaram de professor. Olhei, para os lados sem saber com quem eles estavam falando. Eu me prendia muito à relação direta com os estudantes. Terminei o curso em 1970, fiz mestrado em São José dos Campos e logo que voltei me tornei professor. Então, para mim, professor era uma pessoa que não atrapalhasse o talento dos estudantes. Pensei: serei um professor  que reconheça o talento, os interesses e as conquistas dos alunos. Por exemplo, estou vibrando, terrivelmente, pelo fato de Miriam Leitão estar na Academia Brasileira de Letras. Ela foi minha aluna. Eu vibro, independentemente de julgamentos.

No seu caso particular, o que Brasília proporcionou em termos de experiência da memória nordestina do Piauí?

Não afetou nada. Tenho um certo remorso da minha participação no trabalho de nós três irmãos Ferreira. O Clésio não tinha uma carga tão forte de Piauí quanto a minha. Eu dizia para eles: me dá um certo mal-estar porque eu jogo a minha memória de maneira tão forte no meio do nosso trabalho.  Mas o professor e amigo Milton Cabral Viana dizia: "Vocês nunca conseguiram ser de Brasília ou do Piauí. Porque sofrem a influência da universidade, das conversas, das informações internacionais. O trabalho de vocês tem um pouco do tropicalismo, um pouco dos Beatles, um pouco dos sotaques regionais." Eu acho que talvez ele tenha razão.  

Qual é a experiência de reconhecimento mais tocante: ouvir Enquanto engoma a calça tocar em uma telenovela ou em uma praia ou em um boteco?

Na verdade, esse reconhecimento começou com a poesia. Lá pela década de 1970, eu estava no Bar do Poeta, na Asa Norte, quando alguém gritou para mim: "Climério, publicaram um poema seu no Correio Braziliense!". Um bebum sentado à mesa do bar berrou: "Não acredito que o poema seja dele". O Clodo não podia temer isso, desde cedo, era um autor de sucesso, no bom sentido, porque havia composto músicas muito boas. Quando nasceu o meu primeiro filho, Matias, nós morávamos na Asa Sul e embaixo tinha um barzinho na quadra comercial, que usava a calçada. As pessoas cantavam até tarde. A minha mulher Helô pediu que eu fosse lá e convencesse ao pessoal para cantar mais baixo. Fui até a janela, botei a cabeça para fora e voltei. E disse para Helô: "Não posso pedir para eles cantarem mais baixo. Eles estavam cantando Enquanto engoma a calça."

Você escreveu em um verso: "Não visto terno/só visto ternura", indicando uma aversão a formalidades.  Qual é a importância dessa homenagem da Câmara Legislativa do DF para os irmãos Ferreira?

É verdade, tenho certa dificuldade com as questões formais. Eu me tornei imortal da Academia Piauiense de Letras. Postei uma foto com todos e coloquei a seguinte legenda: "Eu no meio dos imortais". Mas o presidente da Academia me chamou a atenção: "Você também é um imortal". Quanto à homenagem da Câmara Legislativa do DF, me deu uma alegria grande a gente receber esse reconhecimento oficial.  O pessoal ligado ao rock teve reconhecimento porque explodiram do ponto de vista comercial. Vladimir Carvalho fez um documentário sobre eles. Eu sonhava que Vladimir fizesse também um com nós. Chegamos os três a pensar nessa possibilidade. Mas cinema é igual a música, você não faz sempre do jeito que quer. Exige uma produção. O Clube do Choro também tem um reconhecimento.  Então, a concessão do título de cidadão honorário de Brasília pela Câmara Legislativa é um prêmio, que eu divido com a própria música popular de Brasília.

 


postado em 05/05/2025 06:00
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