
Quem cresceu nos anos 1970 e 1980 se acostumou a ver a expressão subdesenvolvido associada ao Brasil. Era um adjetivo comum para indicar uma condição socioeconômica que colocava o país num patamar abaixo das nações de economias pulsantes do hemisfério norte. Foi essa noção que norteou a curadoria de Moacir dos Anjos para a exposição Arte Subdesenvolvida, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) a partir de terça-feira (20/5). Com obras de 40 artistas brasileiros atuantes entre 1930 e 1980, a mostra investiga como a arte nacional reagiu à noção de subdesenvolvimento que, durante cinco décadas, moldou a ideia de Brasil.
A curadoria se concentrou em períodos divididos em décadas. Não foram, portanto, as escolas e movimentos que pautaram os agrupamentos sugeridos por Moacir dos Anjos. São, no total, cinco módulos focados em destrinchar como a condição social e econômica do país refletia na produção artística. "A ideia foi reunir esse conjunto de artistas ao longo dessas décadas que esse conceito influenciou a vida política, econômica e cultural do Brasil em torno do qual muitos embates no campo da política e da cultura se deram", explica.
O percurso da mostra começa nas décadas de 1930 e 1940, quando se consolida o conceito de subdesenvolvimento. Até então, a ideia é que essa condição era algo ageiro, temporário. "Pensava-se que era uma situação vivida por alguns países e que seria superada pelo crescimento da economia, como uma etapa em direção ao desenvolvimento. Como se fosse uma questão de tempo", aponta Moacir. "O que começou a se formular nesse momento é que a ideia de subdesenvolvimento não é uma etapa, mas uma condição. Os países subdesenvolvidos não, necessariamente, serão desenvolvidos a não ser que haja mudanças nas estruturas."
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O curador explica que, nessas primeiras décadas, houve a consciência de que, para superar o subdesenvolvimento, era preciso lutar. "E aí vem o incentivo à industrialização nos anos 1950, a construção de Brasília, a ideia desse Brasil moderno, que ultraa a situação de subdesenvolvimento", diz. O primeiro módulo, que vem com o título Tem gente com fome, é, portanto, o momento em que a cena das artes de maneira geral começa a identificar o que caracteriza o subdesenvolvimento e encontra na questão da fome uma das mazelas mais significativas dessa condição. Obras de João Cândido Portinari, como Enterro e Menina ajoelhada, fazem parte desse módulo.
A década de 1950 marca o módulo Trabalho e luta, que reúne uma coleção de artistas diferentes daqueles normalmente associados à história da arte, da arquitetura e da música do período. Não é o Brasil da arte concreta, da arquitetura moderna e da bossa nova, mas um país com uma classe trabalhadora que enfrenta dificuldades de sobrevivência, uma realidade vivida por grande parte da população da época. A luta pela terra, as manifestações e os protestos dos que buscavam superar a condição de subdesenvolvido aparecem nos trabalhos escolhidos para essa seção. São obras do Ateliê coletivo, de Recife, e do Clube de Gravura de Porto Alegre.
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No primeiro, artistas como o escultor Abelardo da Hora e o pintor Wellington Virgolino se debruçaram sobre questões como a relação do homem com a terra. No segundo, a pobreza era frequentemente retratada e comentada nas gravuras de Glauco Rodrigues, Carlos Scliar, Vasco Prado e Glênio Bianchetti, integrantes do clube. "A ideia foi mostrar dois grupos que partilhavam dessa ideia de representação desse Brasil subdesenvolvido e trabalhavam muito com gravura, desenho e uma forma de comunicação mais popular", conta Moacir.
No terceiro módulo, que inclui os anos 1960 e foi chamado de Mundo em movimento, entraram as mobilizações voltadas para a cultura popular. O curador escolheu dois grupos para representar o período: O Centro de Produção Cultural (C) do Rio de Janeiro e o Movimento Cultura Popular, do Recife. Ambos articulavam arte, educação, política e diferentes classes sociais na busca da conscientização das pessoas para a situação de subdesenvolvimento. Eles buscavam o engajamento dos artistas e, para o curador, são movimentos ainda pouco situados no contexto da arte brasileira.
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Com o golpe militar de 1964, toda essa movimentação com olhar para o social é reprimida e surge uma tensão de resistência e questionamento. O quarto módulo, A estética da fome, traz uma ideia que afetou a produção de dezenas de artistas brasileiros, nomes que vão de Glauber Rocha a Hélio Oiticica, Lygia Pape e Artur Barrio, incluindo o trabalho de grupos de teatro, como o Opinião e o Oficina. "É uma grande efervescência cultural que tenta reagir à situação do golpe e ao autoritarismo realçando a necessidade de supressão das condições que faziam o país ser subdesenvolvido", garante Moacir dos Anjos.
Finalmente, o fim dos anos 1960, com a instituição do AI5, instrumento extremo de repressão do estado, é o cenário no qual emerge uma arte mais sombria e introspectiva. Censura e tortura entram em cena com maior potência e a questão da fome aparece novamente com força. É uma época de paradoxos, de repressão e de grande criatividade movida pela vontade de superar o subdesenvolvimento. Obras como Monumento à fome, em que Ana Maria Maiolino entrelaça sacos de feijão e arroz numa tentativa de monumentalizar a fome para que seja notada, entram nesse módulo, cujo título, O Brasil é meu abismo, retoma frase do poeta Jomard Muniz de Britto. "É um percurso cronológico em que o visitante consegue perceber como a ideia da fome marca essa situação do subdesenvolvimento e como os artistas, em cinco décadas, tentaram se posicionar em relação a isso. É uma maneira de olhar a arte brasileira sob um outro prisma, a partir dessa ideia de desenvolvimento e da presença da fome na sociedade brasileira", resume o curador.
Serviço
Arte Subdesenvolvida
Curadoria: Moacir dos Anjos. Visitação de terça-feira até 3 de agosto, nas Galerias 1, 3, 5 e Pavilhão de Vidro do Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (SCES Trecho 2). Visitação de terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada gratuita. Classificação indicativa livre