
A trajetória da capitão de corveta Luciana Carvalho Mendes, 40 anos, é marcada pelo compromisso e o desempenho exemplar na Marinha do Brasil. O pioneirismo vem de família: ela foi inspirada pela mãe, Dalva, que, segundo a corporação, foi a primeira mulher na história das Forças Armadas a alcançar o posto de contra-almirante, em 2012. Motivada pelos valores militares, Luciana seguiu a carreira e se especializou na área jurídica, trabalhando como assessora de direito operacional no Comando de Operações Marítimas e Proteção da Amazônia Azul.
Após três tentativas, em 2024, ela foi selecionada para integrar uma coalizão internacional de repressão à pirataria no Golfo de Áden, ao largo da costa da Somália. Durante seis meses, trabalhou como assessora jurídica na Forças Marítimas Combinadas (CMF), organização sediada no Bahrein, no Oriente Médio, e composta por mais de 40 países. Sua função era garantir a legalidade das operações de segurança marítima, assessorar militares de diferentes nacionalidades e contribuir para a capacitação de marinhas emergentes. "Era uma oportunidade de aplicar meus conhecimentos em um contexto internacional, num ambiente que exigia interoperabilidade e liderança", explica a comandante.
Tal mãe, tal filha
Filha da almirante Dalva, médica anestesiologista que fez história na Marinha, Luciana cresceu em um ambiente disciplinado e cercado por valores militares. Apesar de nunca ter sido pressionada a seguir os os da mãe, encontrou na instituição um espaço que valorizava o esforço e a dedicação.
Formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), ela se interessou pela área jurídica dentro da istração pública, vendo na Marinha uma oportunidade de unir sua formação acadêmica ao trabalho estratégico e operacional.
Em 2010, prestou concurso para oficial da corporação e, no ano seguinte, ingressou no Curso de Formação de Oficiais (CFO). Desde então, tem servido no Rio de Janeiro, onde está sediada a maior parte da estrutura da Força Naval brasileira.
Interoperabilidade
A operação no Golfo de Áden teve grande importância estratégica: a região é historicamente afetada por ataques piratas a embarcações comerciais, e a presença de uma coalizão militar internacional visa dissuadir e reprimir essas ações ilícitas.
A militar explica que a repressão à pirataria envolve um monitoramento constante das embarcações suspeitas, a coordenação de operações em alto-mar e a análise das implicações legais para a captura e julgamento dos piratas. "A Somália, por exemplo, não tem um sistema de justiça estruturado, então um dos grandes desafios era encontrar países parceiros na região que pudessem fazer o julgamento os criminosos", relata.
Além da assessoria jurídica, a oficial participou da organização de seminários para capacitar marinhas e guardas costeiras de países africanos e integrou um congresso promovido pela ONU no Quênia, na África Oriental, que discutiu soluções para fortalecer o combate à pirataria na região. "É nossa contribuição para o preparo, a parte legal de outros países que estão fortalecendo as suas marinhas e as suas guardas costeiras", defende.
Transformação
Luciana foi a primeira mulher brasileira a integrar essa missão, representando um verdadeiro marco nacional. Durante a experiência, os desafios culturais foram um dos aspectos que exigiram mais adaptação. Em sua estadia no Bahrein, país de maioria muçulmana, foi necessário seguir códigos de vestimenta mais restritivos, principalmente, durante o período do Ramadã — mês sagrado do calendário islâmico, que celebra a revelação do Alcorão ao profeta Maomé. Além disso, percebeu olhares e reações diferenciadas em alguns locais, mas destaca que, no ambiente de trabalho, sempre foi tratada com respeito.
- Leia também: Fuzileiros navais: na paz ou na guerra
A operação, ocorrida entre janeiro e julho do ano ado, agregou conhecimento estratégico e jurídico para Luciana, que agora aplica esses aprendizados na defesa da Amazônia Azul — como é chamada a extensa área marítima sob jurisdição brasileira. "Trazer essa experiência para cá, para o nosso cenário, enriquece muito para a gente."
Segundo a militar, o apoio que recebeu de seu comandante contribuiu para seu desempenho e para o sucesso da missão. "A demonstração de confiança que ele teve em mim, na minha capacidade profissional, me fortaleceu ao longo do tempo. E ele sempre dizia que a gente tinha que voltar para o Brasil melhor do que a gente tinha saído, o que reforçava a sensação de que a gente estava no rumo certo", detalha, destacando a importância do papel do líder.
Com uma trajetória de 14 anos na Marinha, completados na última sexta-feira, Luciana Mendes segue consolidando sua carreira e inspirando novas gerações de mulheres a ocuparem espaços estratégicos nas Forças Armadas. "Quando você sai da zona de conforto, você consegue vencer a barreira do medo de não ser capaz e alcança mais coisas. Então, desafie seus limites, acredite em seu potencial e busque aquilo que você entende como o que te move, algo que te faz querer mais", aconselha.