
Renato Casagrande Pesquisador e presidentedo Instituto Casagrande
O Brasil continua preso a um dado alarmante: 29% da população entre 15 e 64 anos é considerada analfabeta funcional. Isso significa que, embora saibam ler palavras e frases simples, essas pessoas não conseguem interpretar textos mais complexos, compreender instruções básicas ou realizar operações matemáticas elementares. Trata-se de uma alfabetização incompleta, que limita o exercício da cidadania, o o ao trabalho digno e o desenvolvimento do pensamento crítico.
O dado, divulgado pela edição mais recente do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf, 2025), está estagnado desde 2018, revelando o colapso silencioso da educação brasileira. Essa realidade é resultado de fatores estruturais que exigem enfrentamento com seriedade, planejamento e vontade política.
Entre as principais causas estão a baixa qualidade do ensino — evidenciada pelo Saeb (2023), que mostra que a maioria dos alunos do ensino médio não atinge o nível adequado em língua portuguesa — e a evasão escolar. Segundo o IBGE (2022), 9,1 milhões de brasileiros abandonaram a escola antes de concluir a educação básica. Entre os jovens de 15 a 17 anos que deixaram de estudar, mais da metade sequer completou o ensino fundamental. A escola não tem conseguido reter nem motivar seus estudantes.
A essa realidade se soma a falta de bibliotecas — presentes em apenas 30% das escolas públicas —, fator essencial para o desenvolvimento do letramento. Além disso, a desigualdade social agrava o problema: crianças negras, pobres e do Norte e Nordeste têm menos o à educação de qualidade. Enquanto no Sudeste a taxa de escolarização de crianças entre 4 e 5 anos é de 94,5%, no Norte esse número cai para 86,5%.
A exclusão digital também é um obstáculo: 22,4 milhões de brasileiros ainda não têm o à internet, o que compromete o acompanhamento escolar e o o ao conhecimento. Some-se a isso a crise no magistério. Apenas 59% dos professores têm formação adequada para a área em que atuam. Muitos enfrentam esgotamento mental, desvalorização, pressões ideológicas e insegurança nas escolas. O resultado é uma profissão em crise, que atrai cada vez menos jovens: segundo a Fundação Carlos Chagas (2023), menos de 2% dos jovens brasileiros desejam ser professores.
O enfrentamento desse cenário exige recolocar a alfabetização como prioridade nacional. Isso inclui investir na formação inicial e continuada dos professores, garantir bibliotecas e mediadores de leitura nas escolas, revisar os currículos com foco em competências linguísticas e matemáticas e adotar políticas que garantam a permanência dos alunos na escola com propósito e pertencimento.
É igualmente urgente fortalecer a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e criar programas de alfabetização digital que assegurem o o e o uso crítico das tecnologias. Enfrentar as desigualdades regionais com políticas públicas específicas e maior presença do Estado é fundamental.
O analfabetismo funcional é o retrato de um país que fracassou em garantir o direito de aprender, mas esse fracasso não pode ser naturalizado. Com compromisso e coragem, é possível mudar esse quadro e garantir que todos tenham o à palavra, à leitura e à compreensão — bases de uma democracia real.
* Renato Casagrande é o presidente do Instituto Casagrande, referência em práticas educativas inovadoras e no desenvolvimento de instituições de educação básica e superior. Pesquisador, palestrante e escritor, o professor Renato tem transformado o cenário educacional com participações em debates e contribuições ativas nas ações relacionadas aos desafios e às oportunidades na formação de professores, gestores e demais educadores.