CONFLITO ARMADO

A "guerra silenciosa" na RD Congo: 42 mil pessoas fugiram do país em duas semanas

Grupo antigovernamental congolês M23 tomou capitais de duas províncias do país, com suposto apoio de tropas de Ruanda. Desde janeiro, pelo menos 2,9 mil pessoas foram mortas, e 500 mil foram obrigadas a deixar as próprias casas

Milhares de pessoas atravessaram da República Democrática do Congo ao Burundi nos últimos dias, a fim de fugir da violência no leste congolês -  (crédito: UNHCR/Bernard Ntwari)
Milhares de pessoas atravessaram da República Democrática do Congo ao Burundi nos últimos dias, a fim de fugir da violência no leste congolês - (crédito: UNHCR/Bernard Ntwari)

A fim de escapar dos conflitos violentos que assolam o leste da República Democrática do Congo (RDC), quase 42 mil pessoas fugiram nas últimas duas semanas para o Burundi, país vizinho. O confronto, que ocorre sem o mesmo alarde de conflitos na Europa e no Oriente Médio, ocorre entre os rebeldes do Movimento 23 de Março (M23) e o próprio exército da RDC, e deixa um rastro de morte e destruição no país africano. 

A Organização das Nações Unidas (ONU) esperava uma migração máxima de 58 mil pessoas em três meses. O alto comissariado para refugiados da organização internacional, o Acnur, informou que se trata maior fluxo de refugiados da RD Congo em direção ao Burundi em 25 anos.

“O plano de emergência previa um máximo de 58.000 pessoas em três meses, mas apenas nas duas primeiras semanas quase 42.000 pessoas solicitaram asilo”, informou o representante burundiano da agência da ONU, segundo a agência de notícias -Presse. 

O grupo antigovernamental congolês M23, que o governo da RD Congo afirma ser apoiado por Ruanda, tomou o controle de duas localidades-chave do leste da RDC: primeiro Goma, principal cidade do leste do país e capital da província de Kivu do Norte, no fim de janeiro; e depois Bukavu, capital de Kivu do Sul, no último 16 de fevereiro. Agora, os rebeldes têm controle total do lago Kivu, que se estende por toda a fronteira com Ruanda. 

De acordo com o porta-voz do Acnur, Matthew Saltmarsh, em nota publicada no site oficial do comissariado em 18 de fevereiro, apenas nos últimos dias entre 10 mil e 15 mil pessoas cruzaram para o Burundi — cerca de 80 por dia vindas de Kivu do Sul —, “exaustas e traumatizadas, muitas delas separadas de seus familiares e sem informações sobre seu paradeiro”.

Outros 15 mil congoleses fugiram para países vizinhos desde janeiro — 13 mil deles para Uganda. 

Segundo o Acnur, o número de refugiados para Burundi deve aumentar à medida que o M23 se aproxima da cidade congolesa de Uvira, próxima à fronteira oficial entre os dois países. Os deslocados serão transferidos para um centro de refugiados burundiano com capacidade para 10 mil pessoas. Outros estão em escolas e um estádio ainda no lado congolês da fronteira à espera de realocação no país vizinho. 

Ao todo, o Burundi abriga cerca de 91 mil refugiados e solicitantes de refúgio, muitos há décadas e a maioria vinda da RDC.

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Desde o agravamento do conflito, em janeiro deste ano, entre tropas oficiais do Exército da República Democrática do Congo, o antigovernamental M23 e tropas de Ruanda, mais de 500 mil pessoas tiveram de deixar as próprias casas e pelo menos 2,9 mil foram mortas. 

De maioria tutsi, o M23 afirmou que deseja “libertar toda” a RD Congo, a fim de proteger a etnia, e “expulsar” o presidente congolês, Felix Tshisekedi. Ruanda nega que tenha tropas mobilizadas no país vizinho em apoio ao grupo armado, embora autoridades congolesas denunciem a presença de mais de 4 mil soldados ruandeses no leste da RDC 

Embora a RD Congo acuse Ruanda de querer controlar uma área rica em ouro e minerais indispensáveis para o setor tecnológico, a nação comandada por Paul Kagame diz garantir a própria segurança ao ter como objetivo erradicar grupos armados na região — em especial as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), formadas por hutus responsáveis pelo genocídio tutsi em 1994 e supostamente apoiadas pelo governo de Tshisekedi. 

Entenda

A fronteira entre RDC e Ruanda sofre com conflitos e violências históricas, que culminaram em um genocídio da etnia tutsi em Ruanda, em 1994. Desde então, rivalidades regionais, disputas étnicas e combates entre grupos armados foram agravados nos territórios próximos à divisa e ocorrem por mais de 30 anos. 

Desde que ressurgiu, em 2021, o grupo antigovernamental de maioria tutsi M23, da RD Congo, vive em confronto com o exército do próprio país e tomou diversos territórios congoleses. No fim de janeiro deste ano, o conflito se intensificou e contou, de acordo com autoridades congolesas, com a entrada de mais de 3 mil soldados de Ruanda. 

Oficialmente, o grupo rebelde — que já havia tomado Goma no fim de 2012, antes de ser derrotado por forças congolesas e pela ONU em 2013 — rejeita o apoio de Ruanda e se apresenta como um movimento nacional com o objetivo de derrubar o governo do atual presidente da RD Congo.  

O governo ruandês também nega controle sobre o M23 e qualquer envolvimento militar no conflito. A missão da ONU na RDC — a ‘Monusco —, porém, alerta para o risco de os combates reacenderem conflitos étnicos que remontam à época do genocídio, em que 800 mil pessoas foram mortas. 

Em julho do ano ado, RDC e Ruanda haviam assinado um acordo de cessar-fogo. O tratado de paz definitivo, que seria assinado em dezembro, porém, nunca saiu do papel, pois o presidente ruandês se recusou a participar de cúpula organizada por Angola para selar o fim dos conflitos que reascenderam há cerca de quatro anos.  

Lara Perpétuo
postado em 21/02/2025 17:05
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