O papa de todas as fés

Fiéis prestam homenagem a Francisco no primeiro dia de visita ao túmulo

Milhares de pessoas visitam o túmulo do pontífice, na Basílica de Santa Maria Maggiore, no centro de Roma. Cardeais fazem oração diante da sepultura. Na fila de fiéis, brasileira não esconde emoção ao Correio

A Basília de Santa Maria Maggiore foi abertas às 7h15, no horário de Roma, para visitação. O mármore que cobre a sepultura foi retirado de Ligúria, região onde viviam os avós de Francisco -  (crédito:  AFP)
A Basília de Santa Maria Maggiore foi abertas às 7h15, no horário de Roma, para visitação. O mármore que cobre a sepultura foi retirado de Ligúria, região onde viviam os avós de Francisco - (crédito: AFP)

Roma — Quando fala sobre o papa Francisco, a expressão da paranaense Neide Gentelini muda e fica tomada pela iração. A brasileira de 54 anos vive desde 1996 em Londres. Ontem, desembarcou em Roma com um objetivo: dar adeus a Jorge Mario Bergoglio. Era uma forma de prestar um tributo à mãe, Catarina, que faleceu em 16 de junho de 2022. "Eu não pude ir ao enterro dela. Então, para homenageá-la, deixei tudo em Londres e vim correndo para cá", contou ao Correio. Segundo Neide, outra motivação foi o amor pelo papa. "Ele sempre apoiou os pobres e os imigrantes, uma postura fundamental para mim. Papa Francisco foi único e estará para sempre nos nossos corações", acrescentou.

Neide chegou à porta da Basílica de Santa Maria Maggiore, no centro de Roma, às 4h da manhã (23h de sábado no horário de Brasília). Era uma das primeiras fiéis da fila. "Nessa noite, não dormi. Fiquei em vigília", explicou. A paranaense espera que a Igreja Católica siga com a herança de Francisco. "Ele fez coisas importantes e necessárias", destacou. Com os olhos fechados e sorrindo, ela afirmou: "Tenho certeza de que ele sempre estará com a gente".

A paranaense Neide Gentelini deixou tudo para trás em Londres e foi a Roma se despedir de Francisco
A paranaense Neide Gentelini deixou tudo para trás em Londres e foi a Roma se despedir de Francisco (foto: Rodrigo Craveiro/C.B. Press)

Foram pouco mais de três horas de espera. Às 7h15 (hora local), os portões da Basílica de Santa Maria Maggiore foram abertos. A enorme fila de fiéis avançava com calma por um corredor de barreiras de ferro até chegar a um posto de controle de segurança. Era preciso ar pelos detectores de metal e aparelhos de raios X, além de ser submetido a uma revista de bolsas, mochilas e sacolas.

O Correio teve o à igreja minutos após o início da visitação. Depois de caminhar alguns metros por um longo corredor, foi possível logo perceber o túmulo de Francisco, depositado dentro de um nicho no lado direito da basílica. A sepultura é simples, atendendo a um pedido feito pelo próprio papa: foi coberta por mármore retirado de Ligúria, região onde os avós de Bergoglio viveram. Sobre a pedra no chão, está entalhado o nome "Franciscus" ("Francisco", em latim). Uma rosa branca, solitária, foi deixada sobre a sepultura.

A professora Rita Radics, 50 anos, viajou de Veszprém (Hungria) até Roma para participar da beatificação de Mary Magdalena Bódi, uma húngara morta aos 24 anos, em 1945. "Este fim de semana é muito especial para mim. Eu vim da Hungria para a beatificação de Mary Madgdalena Bódi, que ocorreria ontem (sábado), e a canonização de Carlo Acutis, que estava marcada para hoje (domingo). Ambas cerimônias foram suspensas", explicou.

Rita disse ter certeza de que a Igreja Católica elegerá um "bom papa". "Depois da morte de João Paulo II, eu não podia imaginar que viria outro pontífice como ele. Para mim, Francisco é igual a João Paulo II", observou. A professora contou que, em 2023, em uma visita do papa à Hungria, ela e seus alunos escreveram uma carta agradecendo a presença do pontífice. "O que aconteceu foi que o papa respondeu nossa mensagem, três meses depois."  

Rita Radics, professora húngara: "Para mim, Francisco é igual a João Paulo II"
Para a húngara Rita Radics, "Francisco é igual a João Paulo II" (foto: Rodrigo Craveiro/C.B. Press)

A italiana Rosalba Bonaiuti, 70, moradora de Roma, também era uma das primeiras da fila. "Francisco era tão importante para mim! Eu sempre estava perto dele. Estive presente nas celebrações, na Praça de São Pedro. Todas as vezes em que ele veio para rezar na Basílica de Santa Maria Maggiore, aqui, eu também estava",  disse ao Correio. Ela lembra que Francisco gostava dos pobres e dos jovens.

Ontem, o Vaticano divulgou um vídeo inédito do papa Francisco em que ele se dirgia aos jovens que participavam da iniciativa Oficinas de Escuta. O vídeo foi gravado em 8 de janeiro, dias antes de ser internado no Hospital Policlínico Universitário Agostino Gemelli, em Roma.

Conlcave

A perspectiva é de que o conclave ocorra entre 5 e 11 de maio. A Igreja cumpre, agora, um período conhecido como novemdiales, ou seja, nove dias de luto em memória do papa, contados a partir do sepultamento. Serão celebradas missas diárias na Praça de São Pedro. São os cardeais os responsáveis por eleger o sucessor de Francisco.

Atualmente, o Colédio Cardealítico é composto por 252 membros, desses, 135 podem votar, que são aqueles com menos de 80 anos. Dois informaram que não participarão do conclave por questões de idade e saúde — os cardeais Canizares, da Espanha; e Vinko Puljic, da Bosnia Herzegoniva. Dessa forma, são 133 eleitores. Para eleger o novo pontífice, são necessários 89 votos. Ontem, por volta das 15h45 (10h45 em Brasília), os cardeais visitaram a Basílica de Santa Maria Maggiore, oraram diante do túmulo do papa Francisco e celebraram as Segundas Vésperas do Domingo da Divina Misericóridia.

Amigos

A sensação do ourives e prateiro argentino Adrian Pallarols, 53 anos, era de ter perdido o pai pela segunda vez quando visitou a sepultura do papa Francisco, na Basílica de Santa Maria Maggiore. "Eu não parava de chorar", contou ao Correio o homem que conhecia Jorge Mario Bergoglio há 27 anos, quando Francisco era sacerdote e arcebispo auxiliar de Buenos Aires. Desde a ascensão do amigo ao trono de São Pedro, Pallarols viajou a Roma em ao menos 20 ocasiões para se encontrar com o papa.

"Hoje, enquanto eu descansava, apreciando uma linda vista em Roma, um brasileiro sentou-se ao lado e me perguntou o motivo pelo qual vim à Itália. Contei-lhe a situação e ele me disse que fazia parte de um grupo importante de empresários de São Paulo. Perguntou-me se eu gostaria de participar da construção de um pequeno memorial em homenagem ao papa no Brasil." Adrian acredita na intercessão de Francisco: "O santo padre, de alguma maneira, presenteou-me com um trabalho e me conectou a pessoas, a fim de que eu pudesse prestar uma homenagem a ele", disse.

No sábado, Pallarols participou, como convidado da Santa Sé, da missa de corpo presente do pontífice. "Toda essa experiência tem sido realmente comovedora em todo o sentido. Desde o amor de filho, amigo e irmão, eu experimentei alegria e tristeza, ao mesmo tempo. E, de modo paralelo, muitíssima iração", relatou. Ele espera que, com o decorrer do tempo, possa "estar à altura das lições de vida recebidas e poder honrar com dignidade todas as demonstrações de afeto do santo padre". Bergoglio celebrou o seu casamento, deu a primeira comunhão a sca e batizou Matteo Francisco, ambos filhos de Pallarols.

Adrian Pallarols diante do caixão de Francisco, na tarde a última sexta-feira, na Basílica de São Pedro
Adrian Pallarols diante do caixão de Francisco na Basílica de São Pedro (foto: Arquivo pessoal )

Ex-secretário de imprensa de Bergoglio, quando o papa ainda era arcebispo de Buenos Aires, o jornalista argentino Federico Walls também esteve em Roma para prestar tributo a Francisco, com quem construiu uma amizade de 18 anos. Chegavam a utilizar ônibus e metrô juntos. Era a maneira preferida de Bergoglio de transitar pela capital argentina e conhecer as necessidades da população. "Foi um dia muito emotivo e emocionante, o qual levarei em meu coração. Por um lado, por me despedir de alguém que eu considerava como um pai e sentir que 450 mil pessoas o aplaudiram de forma espontânea. Por outro, por um silêncio ensurdecedor em alguns momentos, que me atormentava e me permitia escutar apenas as gaivotas sobre a praça", itiu ao Correio.

Walls considera que o funeral de Francisco foi um reconhecimento à sua figura, a "um pai de todos". "Assim, me despedi dele: acompanhando a missa, em silêncio, e com uma gratidão profunda em meu coração por tudo o que nós compartilhamos e por tudo aquilo que Francisco permitiu dividir comigo", declarou. O ex-porta-voz de Bergoglio visitou o túmulo do amigo na Basílica de Santa Maria Maggiore, no centro de Roma. "Cheguei às 10h20 de hoje (ontem) e pude entrar por volta de meio-dia. Amanhã (hoje), quero comparecer à missa das 7h, para que eu possa me despedir dele com mais calma."

postado em 28/04/2025 06:00
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