
Enviado Especial a Roma — Para Dom Marcony Vinícius Ferreira, arcebispo ordinário militar do Brasil, não existe risco de uma guinada conservadora no comando da Igreja Católica. Em viagem a Roma, onde participou dos funerais de Francisco, ele acredita que os cardeais reconhecem a grandeza do pontificado do jesuíta argentino nos tempos modernos.
"Até pessoas que não são cristãs, que não são católicas, reconhecem os os que Francisco deu", observou, ao mencionar a simplicidade como um dos traços mais importantes de Francisco. D. Marcony recebeu o Correio no Colégio Pontifício Brasileiro, na capital italiana, onde estão hospedados os cardeais brasileiros. Morador de Brasília, o arcebispo militar itiu a possibilidade de o Brasil fazer seu primeiro papa. "A gente sempre sabe que a vontade é de Deus. É o Espírito Santo quem ilumina os cardeais. Possibilidades sempre têm, porque todos entram iguais em um conclave."
Quais as possibilidades de termos o primeiro papa brasileiro?
A gente sempre sabe que a vontade é de Deus. É o Espírito Santo que ilumina os cardeais. Possibilidades sempre têm, porque todos entram iguais em um conclave, não é? Mas, ao mesmo tempo, também se comenta que, uma vez sendo papa um latino-americano, viria um pontífice de outro continente. É o que a gente escuta, inclusive nos meios de comunicação. Nada impede que se tenha um papa brasileiro. No entanto, são conjecturas e pensamentos que a gente não mergulha muito neles, até mesmo porque a gente deixa os cardeais muito à vontade, como também temos confiança na providência divina, que suscitará um papa que guia a Igreja por inteiro.
Mas quem vem com boas possibilidades?
Nossos brasileiros, todos eles são muito santos. Nossos cardeais são homens de Deus, que se preocupam com suas dioceses, com o bem da Igreja no Brasil e no mundo, a participação no Sínodo e neste ano santo, o ano da esperança. Nossos cardeais têm feito um trabalho dentro e fora da Igreja, no sentido de acolher a todos e seguir Francisco, a preocupação com as vocações... A gente não busca ver como uma eleição e quem está concorrendo e quem não está. O Brasil pode dar uma boa participação neste conclave. Cada um deles é homem de Deus. Tenho certeza de que estão se preocupando com o bem da Igreja e da humanidade.
O senhor tem um palpite sobre quem será escolhido o líder da Igreja neste conclave?
Palpite eu não tenho. A gente acompanha o que a própria mídia nos traz, quando falam de um italiano ou, talvez, de um africano. Mas intimidade, ou até mesmo conhecimento para dizer quem será papa, a gente não tem. Eles estão, agora, nas reuniões chamadas de congregações — onde se conhecem mais. Iluminados pelo Espírito Santo, eles escolhem aquele que é mais rápido para o momento. Creio que cada papa tem seu momento, e o Espírito Santo suscita na Igreja para um momento próprio da instituição. Acho que o próximo papa terá que enfrentar a inteligência artificial, os conflitos que Francisco começou dentro e fora da Igreja, sobretudo no campo da paz, da unidade do mundo inteiro, da comunhão, da fraternidade, e, igualmente, no trabalho, com a formação do clero e a presença da Igreja na evangelização do mundo.
Existe o temor de que uma ala conservadora ascenda ao pontificado e coloque em risco os avanços promovidos por Francisco?
Não creio nisso. Acho que todos os cardeais reconhecem a grandeza de Francisco, assim como o mundo inteiro. Até pessoas que não são cristãs, que não são católicas, reconhecem os os que Francisco deu. Creio que a Igreja tem manifestado, na pessoa do papa Francisco, ainda a sua força. A força moral, a palavra moral do mundo, ainda é o Santo Padre. Ao mesmo tempo, seu exemplo de vida, que marcou bastante. Por isso, incomoda ter uma vida mais simples num mundo consumista, ter uma vida voltada para os pobres num mundo que busca grandeza e os primeiros lugares. Tudo isso incomoda, até mesmo no clero. A presença do papa Francisco veio não só para iluminar e alertar, mas, sobretudo, para que vivamos o Evangelho. Ele foi um Evangelho vivo. Os cardeais têm essa consciência de que, ao mesmo tempo que temos de buscar a unidade e a comunhão de toda a Igreja, devemos também reconhecer a grandeza do pontificado de Francisco nos nossos tempos modernos.
De todas as ações dele, quais foram as mais importantes?
Creio que a humanidade de Francisco e o acolhimento dele. Aí estão as duas palavras-chave. Em um mundo que tende a se preocupar mais com pets do que com pessoas humanas, tende-se a defender mais interesses do que valores, do que princípios, do que as própria vida. Francisco foi muito firme naquilo que o Nosso Senhor prevê: o amor, o acolhimento de todos. É bem verdade que mais se voltou para os pobres, e isso também foi o tempo de Jesus. Talvez incomode o mundo ainda, porque a gente que olhar para os nossos irmãos mais necessitados. O acolhimento e o humanismo de Francisco atingiram não apenas a Igreja, mas também o mundo inteiro.
E a Igreja sem Francisco, como é que fica?
Cada papa tem seu momento. Francisco cumpriu com sua missão. Por isso, diziam os cardeais, muito bem, no dia do enterro do papa, que havia uma mistura de sentimentos: aquela saudade, mas, ao mesmo tempo, uma ação de graças a Deyus por tanto bem que ele fez à Igreja. Assim foi com João Paulo II e com Bento XVI e, agora, com Francisco. São os papas dos nossos tempos, em que Deus tem sido muito generoso com a humanidade e com a Igreja, nos dando papas que foram exemplos de vida. Costumo dizer que João Paulo II, na visão geral, era um papa para ser visto. Ele abriu o papado, viajou o mundo inteiro e deu a presença do papa para as nações do mundo. Depois, veio Bento, um papa para ser lido, para se aprofundar nos mistérios de Deus e da Igreja, não desdenhando dos outros, mas o papa Francisco é um papa para ser imitado nas suas atitudes. Ele carregava a própria bolsa, pagava seu hotel, preferia um carro mais simples. Enfim, todo o aspecto de uma imitação, de um exemplo de vida, com a própria experiência, com seu exemplo. Até mesmo deixou dinheiro para o seu próprio caixão. Enfim, todos os aspectos de um homem simples, de viver com dignidade, mas sem buscar luxo e os primeiros lugares, como tem sido o exemplo de nossos papas como nos últimos tempos.