Novos Rumos

Leão XIV terá que seguir linha de Francisco na defesa social e no combate à guerra, dizem especialistas

Para especialistas ouvidos pelo Correio, Leão XIV enfrentará os desafios mundiais de forma semelhante a Francisco, destacando o esforço pela unidade da Igreja e pelo acolhimento aos mais vulneráveis, combatendo a guerra e defendendo a paz

 Praça de São Pedro lotada: freiras se unem a fieis em oração à espera do anúncio do sucessor de Jorge Bergoglio       -  (crédito: JEFF PACHOUD / AFP)
Praça de São Pedro lotada: freiras se unem a fieis em oração à espera do anúncio do sucessor de Jorge Bergoglio - (crédito: JEFF PACHOUD / AFP)

Apesar de Robert Francis Prevost estar na lista dos "papáveis", a escolha surpreendeu até os especialistas em Igreja Católica Apostólica Romana que, após o susto, elencaram os desafios que deverá enfrentar. O primeiro deles é assegurar a unidade interna, reduzindo as tensões entre conservadores e progressistas, em busca do acolhimento aos fiéis e aos mais vulneráveis. Segundo professores e religiosos ouvidos pelo Correio, Leão XIV deverá seguir a mesma linha do papa Francisco no caminho de vanguarda e avanços, registrando a marca pessoal que será da defesa do social, considerando o nome que escolheu em homenagem aos antecessores.

"Uma análise interessante que ouvi sobre o novo papa é que ele é o 'menos americano dos americanos', justamente por ser filho de imigrantes, ter vivido muito tempo no Peru, ser um especialista em América Latina e ter apreço especial pelo social e pelas questões ambientais", analisou Marco Aurélio Fernandes, professor de Filosofia da Religião da Universidade de Brasília (UnB). "Ele tem uma imensa capacidade de diálogo e de moderação."

Gustavo Haas, padre e professor de Teologia da Liturgia na PUC do Rio Grande do Sul, reiterou que Leão XIV deve dar continuidade às ações de Francisco. "Ele é um religioso e como tal não tem limites geográficos, vai aonde a missão determinar. Foi assim que chegou ao Peru, em uma das realidades mais difíceis, e como simples padre. De lá, por causa do trabalho que realizava, foi chamado pelo papa Francisco para o Vaticano. Estou muito feliz com a escolha", ressaltou.

Michele Dillon, professora de sociologia da Universidade de New Hampshire, reitora da faculdade de artes liberais, acrescentou que Leão XIV terá de ter muito equilíbrio para considerar a série de desafios que se apresenta no mundo. "O novo papa terá que considerar e equilibrar uma série de prioridades doutrinárias e institucionais que podem levá-lo a assumir pontos de vista que podem não necessariamente estar alinhados com seus pontos de vista como cardeal ou bispo."

Sinodalidade

Para Michele Dillon, um dos principais pontos a se enfrentar é justamente o de agregar internamente a Igreja. "Ele enfrenta uma Igreja, consideravelmente, transformada pelas reformas do papa Francisco, que enfatizou a 'sinodalidade', o processo de diálogo e consulta em todos os níveis da Igreja. Ele colocou mulheres em posições de autoridade real no Vaticano", afirmou.

A professora ressaltou que foi Francisco que conseguiu fazer uma "limpeza" das finanças do Vaticano. Decisão que, somada às suas críticas ao "capitalismo desenfreado" e à ênfase na Igreja "indo ao encontro dos marginalizados", pode ter afastado alguns grandes doadores. O próximo papa terá que lidar com essas novas realidades internas, mantendo-as ou revertendo o curso."

Richard Wood, do Instituto de Estudos Católicos Avançados da Universidade de Southern California Dornsife, reiterou que Leão XIV terá de enfrentar pressões geopolíticas que vão desde governos autoritários às mudanças climáticas, à desigualdade social e ao combate às guerras em nome da paz. Para o especialista, a tecnologia também terá um lugar de destaque entre as preocupações do sucessor de Francisco.

"A tecnologia será outro quebra-cabeça papal. As plataformas de mídia social agora são extremamente influentes, mudando a maneira como as pessoas se relacionam umas com as outras e se conectam com sua fé. Novas ferramentas de inteligência artificial prometem ainda mais disrupção (interrupção do curso normal). Todo esse tempo de tela pode ser um fator que pode levar muitas pessoas de volta aos bancos da igreja", reiterou.

Enfrentamentos

Às vésperas do conclave, os cardeais se reuniram nas "congregações gerais" e ratificaram a decisão de combater a corrupção dentro da Igreja. Francisco reformou a gestão financeira da Santa Sé, enfrentou escândalos de desvio de dinheiro, que afetaram, inclusive, a imagem dele próprio. Não pensou duas vezes em revelar ao mundo o envolvimento do cardeal Giovanni Angelo Becciu. O italiano foi condenado por corrupção e impedido de participar da eleição do sucessor. Ele respondeu à acusação de desvio de US$ 200 milhões da Santa Sé, utilizados para investir em fundos de alto risco e comprar um imóvel em Londres.

O tribunal da Igreja condenou Becciu, em 2023, a cinco anos e meio de prisão por desvios de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro. O papa Francisco formalizou dois documentos que o impediram de participar das votações. Para os especialistas, Leão XIV deve manter pulso firme sobre o tema, uma vez que a Santa Sé enfrenta um deficit orçamentário crônico e uma redução nas doações dos fiéis.

Política externa

Ao lançar um "apelo à paz" a "todos os povos" e pedir para "construir pontes" por meio do "diálogo", "sem medo, unidos, dando a mão de Deus e dando-a uns aos outros", Leão XIV sinaliza que pretende manter a defesa veemente da paz e do combate às guerras. Sem mencionar Gaza nem Ucrânia e Sudão, o novo papa indicou que não pretende se dobrar aos governos populistas em ascensão nem à pressão dos autoritários. Tanto é que, no discurso, ratificou a defesa pela paz e que não deve haver guerras porque todos são irmãos, numa resposta direta aos conflitos em Gaza e na Ucrânia. "O mal não prevalecerá", disse. "Unindo-nos todos para sermos um só povo, sempre, em paz."

Para os especialistas ouvidos pelo Correio, o pontífice terá ainda a delicada missão de lidar com a China, aproximação feita pelo argentino, criticada por setores mais conservadores, que rejeitaram as nomeações na região. Rechaçando qualquer discriminação, ele se guia com o lema que adotou enquanto bispo: In Illo uno unimum, em latim, que significa "Naquele Um que somos um" — todos em Cristo.

Vulneráveis

Se o papa Francisco abriu as portas da Igreja para os fiéis LGBTQIA , os imigrantes, os mais vulneráveis e os excluídos, Leão XIV sinalizou que fará o mesmo. Diferentemente do retorno das missas em latim, Prevost, que fala inglês, francês, italiano, espanhol e português, indicou que pretende se aproximar ainda mais dos menos favorecidos. Apontado como especialista em América Latina, deve estabelecer que não há atritos nem embates entre as distintas culturas, mas conversão quando o tema é a fé.

O mesmo vale para a campanha de combate à pedofilia envolvendo religiosos. Apesar das muitas medidas tomadas para enfrentar o abuso infantil, como a revogação do segredo pontifício e a obrigação de denunciar os casos à hierarquia, as associações de vítimas exigem ações mais expressivas. Em muitos países asiáticos e africanos, o tema é tabu, sem mencionar Itália e França, que não deram início às investigações, mesmo com as denúncias e os detalhes.

A ONG Bishop ability, que documenta a violência clerical, pede leis que obriguem a destituição de qualquer abusador comprovado e a publicação dos nomes dos padres condenados pelo direito canônico. Há informações de que Prevost teria acobertado dois casos de padres envolvidos em abusos sexuais. Mas há quem afirme que ele deu continuidade às apurações.

Mulheres e vocações

As organizações femininas ligadas à Igreja defendem que, a exemplo de Francisco, Leão XIV abra as portas e nomeie mais mulheres para cargos relevantes. O argentino escolheu a irmã Raffaella Petrini para ser a primeira mulher presidente do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano. Outro desafio é incentivar as vocações religiosas no mundo com 1,4 bilhão de católicos. Em 2023, a Igreja reunia 406.996 padres no mundo. O número de padres aumenta na África e na Ásia, mas diminui em outros continentes. Ele deve reavivar a frequência à igreja e as vocações, além de enfrentar o avanço dos evangélicos.

 

Prioridades do pontificado

  • Mudanças climáticas e sustentabilidade
  • Unidade interna
  • Acolhimento aos imigrantes, pobres e excluídos
  • Combate à pedofilia
  • Respeito aos fieis LGBTQIA+
  • Corrupção na Igreja
  • Incentivo às vocações religiosas
  • Apoio às mulheres
  • Política externa

 

 

  •  A fé uniu católicos do mundo em oração para guiar o conclave
    A fé uniu católicos do mundo em oração para guiar o conclave Foto: Stefano Rellandini / AFP
  •  Brasileiros em peso comemoram a escolha de Leão XIV, o norte-americano que fala português
    Brasileiros em peso comemoram a escolha de Leão XIV, o norte-americano que fala português Foto: Filippo MONTEFORTE / AFP
  •  Padres celebram o nome de Robert Francis Prevost
    Padres celebram o nome de Robert Francis Prevost Foto: AFP
  •  Brasileiros em peso comemoram a escolha de Leão XIV, o norte-americano que fala português
    Brasileiros em peso comemoram a escolha de Leão XIV, o norte-americano que fala português Foto: Andreas SOLARO / AFP
postado em 09/05/2025 06:01
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