
A Lei Magnitsky, que o governo de Donald Trump ameaça usar contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, só foi usada antes para punir juízes em ditaduras profundamente repressivas, como a Rússia, onde o Judiciário não tem independência, e em casos em que magistrados foram cúmplices de violações dos direitos humanos.
A afirmação é de Adam Keith, diretor sênior de responsabilização de uma organização sediada nos Estados Unidos de proteção de direitos humanos, a Humans Rights First, criada em 1978.
"As sanções globais [da lei] Magnitsky têm o objetivo de responsabilizar autores de corrupção e de graves violações de direitos humanos, normalmente violentas."
"Fora desse tipo de contexto, sancionar um juiz por suas decisões judiciais provavelmente seria um uso grave e sem precedentes dessas sanções", disse ele à BBC News Brasil.
A possibilidade de aplicação da Lei Magnitsky foi citada pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio, em maio, em resposta ao deputado republicano Cory Mills, da Flórida. Mills tem articulado com o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro e que está morando nos EUA.
O republicano afirmou em uma audiência no Capitólio que o Brasil vive um "alarmante declínio dos direitos humanos", citando supostos episódios de "censura generalizada" e "perseguição política contra a oposição, jornalistas e cidadãos comuns".
Na semana ada, o governo americano anunciou uma política de restrição de vistos a estrangeiros que "censuram americanos", mas sem citar nomes específicos.
Se uma restrição como essa for aplicada a Moraes, os danos seriam diferentes da aplicação da Lei Magnitsky, que também prevê punições financeiras, como o congelamento de bens nos EUA e barreiras para relacionamento com instituições financeiras no país.
Prisão por oposição à guerra na Ucrânia
Um caso recente, anunciado em 31 de dezembro do ano ado, foi de uma sanção com base nesta legislação à juíza russa Olesya Mendeleeva.
Segundo o governo americano, Mendeleeva foi sancionada "por seu papel na detenção arbitrária do vereador de Moscou e defensor dos direitos humanos, Alexei Gorinov".
A nota sobre a sanção diz que, em julho de 2022, Mendeleeva o condenou a sete anos de prisão por manifestar oposição à guerra contra a Ucrânia e que, na prisão, ele sofreu violência física e não teve o a tratamento médico.
A condenação foi embasada em uma acusação de "divulgação de informações falsas sobre o Exército russo". Gorinov havia afirmado, durante uma reunião, que crianças na Ucrânia estavam "morrendo todos os dias" como resultado da invasão de Moscou.
O governo americano disse que Gorinov foi o primeiro a ser preso sobre as leis de censura de guerra na Rússia.
Segundo a agência de notícias Reuters, Gorinov também foi condenado a mais três anos em uma colônia penal, por ser considerado culpado por nove acusações de "justificação do terrorismo", em conversas com outros prisioneiros.
A defesa dele afirmou que outros detentos tentaram provocá-lo a fazer comentários políticos durante conversas secretamente gravadas, mas que suas declarações não tinham relação com terrorismo, informou a agência.
Em seu julgamento, ele condenou o que descreveu como "massacre" de Moscou na Ucrânia.
Na prática, após a punição, os bens da juíza nos EUA ou sob controle de pessoas norte-americanas deveriam ser bloqueados - a nota oficial não diz se, de fato, ela possuía algum patrimônio no país.
Além disso, instituições financeiras e outras entidades que se envolvam com a juíza "podem ser alvo de sanções ou ações punitivas", diz a nota do governo americano sobre o caso.
"As proibições incluem qualquer contribuição, fornecimento de fundos, bens ou serviços a essas pessoas, ou o recebimento de tais recursos delas", diz o governo.
Outro caso envolveu a juíza russa Elena Lenskaya, em março de 2023, pela prisão do historiador e político de oposição Vladimir Kara-Murza.
Kara-Murza foi preso em abril de 2022 em sua casa, depois de se manifestar contra a guerra contra a Ucrânia. Foi acusado de ter divulgado informações falsas sobre o bombardeio das Forças Armadas russas em áreas residenciais, incluindo maternidades, hospitais e escolas.
As sanções à juíza também foram impostas pelo Reino Unido - Kara-Murza também possui aporte britânico - e incluem proibição de viagens e congelamento de bens no país, se houver.

Entidades de direitos humanos indicaram 160 nomes para sanções pela Lei Magnitsky
Uma carta escrita por 96 entidades ligadas aos direitos humanos e anticorrupção nos Estados Unidos e enviada ao governo americano em setembro do ano ado, ainda sob o governo Biden, cobrou que houvesse mais sanções da Lei Global Magnitsky pelo país, alegando que haveria falta de resposta às recomendações feitas por essas entidades.
Desde 2017, essas organizações dizem ter indicado mais de 160 nomes com base em evidências, para que tais indivíduos ou organizações fossem punidos, incluindo "perpetradores de abusos de direitos humanos e corrupção" em mais de 60 países.
"Até recentemente, aproximadamente um terço das sanções impostas com base na lei pareciam ter fundamento nas nossas recomendações".
Em 2023, segundo a carta, houve uma queda de 56% na aplicação da lei global em comparação a 2020.
Um relatório publicado pela Human Rights First sobre o segundo semestre de 2024 relatou que o ano terminou com uma quantidade de punições próximo da média - 69 pessoas e entidades ao todo. Desde que o programa foi criado, são cerca de 75 ao ano.
Restrição de vistos
O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciou na semana ada uma política de restrição de vistos direcionada a estrangeiros que "censuram americanos".
"Em alguns casos, autoridades estrangeiras tomaram medidas flagrantes de censura contra empresas de tecnologia e cidadãos residentes dos EUA quando não tinham autoridade para fazê-lo", diz o texto da declaração à imprensa, sem citar nomes ou casos específicos.
O texto diz ainda que "é inaceitável que autoridades estrangeiras exijam que plataformas de tecnologia dos EUA adotem políticas globais de moderação de conteúdo ou se envolvam em ações de censura que vão além de sua autoridade e alcancem os EUA".
O comunicado não diz que se a medida afetará Moraes ou quais seriam os próximos os.
Dias antes, em 21 de maio, Rubio havia afirmado que o governo americano estava analisando a possibilidade de aplicar sanções contra Moraes com base na Lei Global Magnistsky, que permite punições a autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou graves violações de direitos humanos.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, chegou a comentar a declaração de Rubio em sessão na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Vieira disse que a "questão de vistos é uma política de cada Estado": "O Estado toma a decisão de conceder ou de não conceder."
Já o presidente Lula criticou o governo americano.
"Os Estados Unidos querem processar o Alexandre de Moraes porque ele está querendo prender um cara brasileiro que está lá nos Estados Unidos fazendo coisa contra o Brasil o dia inteiro. Ora, que história é essa de os Estados Unidos quererem criticar alguma coisa da Justiça brasileira? Eu nunca critiquei a Justiça deles. Eles fazem tanta barbaridade, eu nunca critiquei. Fazem tantas guerras, mata tanta gente. Por que eles vão querer criticar o Brasil?", disse, em um evento no último domingo, 1.
Como mostrou a BBC News Brasil, o governo brasileiro intensificou, nos últimos dias, contatos com o Departamento do Estado dos Estados Unidos para tentar evitar a aplicação de sanções a autoridades brasileiras, o que poderia ser interpretado pelo governo brasileiro como uma ingerência internacional em assuntos domésticos e trazer impactos negativos à relação entre os dois países.
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