
Seis dias depois de Donald Trump ter entregue a Elon Musk as chaves da Casa Branca, sob as lentes de fotógrafos, no Salão Oval, a relação entre o presidente dos Estados Unidos e o homem mais rico do mundo azedou de vez e ganhou contornos de guerra aberta. O bilionário dono da Tesla, da SpaceX e da rede social X, chegou a associar o republicano a um escândalo sexual envolvendo o também magnata Jeffrey Epstein. "Hora de lançar a bomba realmente grande: Donald Trump está nos documentos de Epstein. Essa é a razão verdadeira pela qual eles ainda não os tornaram públicos. Tenho um bom dia, DJT (Donald J. Trump)!", escreveu Musk. Epstein foi acusado de ter abusado sexualmente de 250 meninas e de ter comandado uma rede de tráfico sexual. "Marquem essa publicação para o futuro. A verdade virá à tona", acrescentou.
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A troca de farpas entre os antigos aliados começou bem antes e se arrastou durante boa parte desta quinta-feira (5/6). "Olha, Elon e eu tínhamos uma ótima relação. Não sei se continuaremos tendo. Fiquei surpreso", declarou Trump a jornalistas, também no Salão Oval, depois que Musk, ex-chefe do Departamento de Eficiência Governamental, qualificou como "abominação" o projeto de lei orçamentária do governo.
"Sem mim, Trump teria perdido a eleição. (...) Quanta ingratidão!", disparou Musk em seu perfil no X. Ele chegou a criar uma enquete com a pergunta: "Está na hora de criar um novo partido político nos EUA que realmente represente os 80% do meio?". Trump não deixou barato, garantiu ter solicitado ao "louco" do Musk que deixasse de ser seu assessor e ameaçou retirar os contratos governamentais das empresas do executivo. "Elon estava se esgotando, pedi que saísse. Trei o mandato de veículos elétricos dele, que obrigava todo mundo a comprar carros elétricos que ninguém mais queria. Ele simplesmente enlouqueceu!", escreveu em sua plataforma Truth Social. "A maneira mais fácil de economizar dinheiro em nosso orçamento, bilhões e bilhões de dólares, é encerrar os subsídios e contratos governamentais de Elon."
Em resposta, Musk anunciou que, "em vista da declaração do Presidente sobre o cancelamento dos meus contratos governamentais, a SpaceX começará a desativação de sua nave espacial Dragon imediatamente". Pouco depois, ele alfinetou o republicano: "Presidente versus Elon. Quem ganha? Aposto no Elon. Trump deveria sofrer impeachment e J.D. Vance (vice) deveria substituí-lo".
Orçamento
O centro da polêmica é o megaprojeto de lei orçamentária apresentado por Trump ao Congresso. O presidente divulgou um vídeo dizendo que o ex-conselheiro estava "chateado" com a perda de subsídios para veículos elétricos da Tesla. "Tanto faz", escreveu Musk ao responder à gravação. Em seguida, publicou a palavra "falso" depois de Trump dizer que ele teve o antecipado ao que chama de "grande e belo projeto de lei".
A postura beligerante surpreendeu especialistas. Matthew Baum, professor de comunicações globais e de políticas públicas da Universidade de Harvard, disse ao Correio esperar que os congressistas republicanos alterarão o equilíbrio entre cortes de impostos e cortes programáticos, reduzindo outros programas. "Se isso acontecer, espero que Trump aceite o resultado e o projeto de lei seja aprovado. Musk, provavelmente, declararia vitória e o relacionamento com Trump seria restaurado, mas isso é pura especulação." Minutos depois, Baum enviou um novo e-mail à reportagem, na qual colocou em xeque o seu prognóstico. "Parece que eles estão 'explodindo' ainda mais, no ambiente on-line, desde minha última resposta. Com Trump ameaçando cortar os subsídios governamentais de Musk, e o bilionário retrucando 'Vá em frente, me faça feliz', acho que talvez eu tenha sido excessivamente 'otimista' quanto a uma reconciliação. Normalmente, Trump não responde bem à resistência."
O historiador político James Naylor Green, professor da Universidade Brown (em Rhode Island), considera "importante e interessante" o conflito. "Todo mundo previa essa diferença entre os dois, pois ambos têm o ego inflado e são muito imaturos. É preciso ver até que ponto isso seria uma 'performance' para Musk negociar algumas coisas no projeto de lei orçamentária. Musk perdeu o incentivo de produção de carros elétricos. Ele ameaçava punir republicanos não alinhados com o partido governista. Musk tem capacidade para enviar até US$ 6 bilhões para uma campanha, o que pode ser determinante para as eleições parlamentares de 2026", afirmou ao Correio.
Governo e ONGs apontam racismo
A reação à decisão do presidente norte-americano, Donald Trump, de proibir a emissão de vistos para cidadãos de 12 países, a partir de segunda-feira, atraiu forte condenação internacional. Governos das nações atingidas pelo memorando assinado por Trump, na noite de quarta-feira (4/6), começaram a reagir em cadeia. A primeira medida de reciprocidade diplomática veio do governo do Chade, que também suspendeu a emissão de vistos para cidadãos americanos.
Por sua vez, Cuba considerou que o veto tem "conotações racistas" e é prejudicial para os vínculos pessoais e profissionais de ambos os países. "A nova proibição de entrada nos EUA de cidadãos de vários países tem conotações racistas com o apoio de políticos anticubanos", declarou o chanceler de Cuba, Bruno Rodríguez. O governo da Venezuela afirmou que viajar aops EUA virou um "grande risco para qualquer pessoa".
Trump justificou a proibição aos estrangeiros como uma ação motivada pelo atentado em Boulder, no Colorado. Na segunda-feira (2/6), um homem armado com coquetéis Molotov e com um lança-chamas artesanal feriu 12 pessoas durante um ato pela libertação dos reféns israelenses em Gaza.
Diretora associada da organização Human Rights Watch para Políticas de Imigração, Vicki Gaubeca disse à reportagem que, em vez de fechar as fronteiras, os EUA deveriam seguir o exemplo da política brasileira em relação aos venezuelanos. "Eles podem solicitar status de refugiados ou a autorização de residência na fronteira. Um programa de realocação voluntária facilitaria a instalação dos estrangeiros em cidades espalhadas por todo o país", disse à reportagem. Em 2019, durante o primeiro governo Trump, os EUA proibiram a entrada no país de estrangeiros de sete países de maioria muçulmana.
Para Robyn Barnard, diretora sênior de defesa dos refugiados e advogada da Human Rights First (em Washington), o veto de entrada nos EUA a cidadãos de 12 países é "uma política abertamente racista". Ela adverte que a decisão impactará, de modo desproporcional, migrantes de países muçulmanos e de pessoas de cor de países da África, do Caribe e da Ásia. "A medida tem como alvo punitivo pessoas dessas nações, incluindo aquelas fugindo da perseguição e outras buscando se reunir com entes queridos que estão nos EUA. Isso minará nossa segurança nacional como um país e prejudicará a posição dos Estados Unidos globalmente nos próximos anos", afirmou ao Correio. A Anistia Internacional, por sua vez, condenou a medida, que classificou como "discriminatória, racista e francamente cruel".
James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), acredita que o memorando assinado por Trump foi um meio utilizado pelo presidente republicano para desviar a atenção da opinião pública para os problemas enfrentados pelo governo. "Trump está tendo dificuldades para aprovar a lei orçamentária no Senado", disse à reportagem.
O professor alertou que as medidas tomadas pela Casa Branca são inconstitucionais. "Há discriminação, pois o procedimento teria que envolver entrevistas com as pessoas para avaliar se podem ou não ter o visto, não proibir os estrangeiros de entrar nos EUA", avaliou Green. "Imagine o número de haitianos que têm familiares nos Estados Unidos e não vão poder... Isso é um absurdo! Trata-se de uma decisão totalmente racista, pois afeta o Haiti, uma nação predominantemente formada por negros, e países da Ásia e do Oriente Médio." Ele aposta que as Cortes Constitucionais tornarão a medida inválida. "Por que a Rússia não está na lista?
Professor de história e de política social da Universidade de Harvard, Alex Keyssar acredita que a proibição de vistos prejudicará ou causará transtornos a um bom número de pessoas, mas que seu impacto não será grande. "Aparentemente, a proibição vinha sendo discutida na Casa Branca há pelo menos várias semanas, então não parece ser motivada pelo ataque antissemita — embora T esteja usando isso como pretexto. Notavelmente, o agressor era do Egito, e esse país não está na lista de banidos", lembrou ao Correio. (RC)
Os países afetados
A proibição de emissão de vistos afeta cidadãos de Afeganistão, Mianmar, Chade, República do Congo, Guiné Equatorial, Eritreia, Haiti, Irã, Líbia, Somália, Sudão e Iêmen. A restrição parcial de entrada, por sua vez, se aplica a Cuba, Venezuela, Burundi, Laos, Serra Leoa, Togo e Turcomenistão. Em termos gerais, proíbe a residência, o turismo, os vistos de estudo e de atividades comerciais, conferências, reuniões e negociações. Inclui migrantes e não migrantes.
EU ACHO...
"A proibição prejudicará famílias de imigrantes que pretendem se reunir, estudantes, trabalhadores e outros. A justificativa parece ser arbitrária, espúria, inconsistente e, como no caso da 'proibição de entrada de muçulmanos' durante o primeiro governo Trump, baseada em questões raciais. É mais uma ilustração de uma política de imigração destinada a causar caos."
Vicki Gaubeca, diretora associada da organização Human Rights Watch para Políticas de Imigração
"Punir uma população inteira por ações desconexas de uma única pessoa é inerentemente cruel e injusto. O governo está perpetuando uma retórica anti-imigrante perigosa e a disseminação do medo, ao vincular essas duas ações como necessariamente relacionadas. O país de origem do autor do crime de ódio no Colorado também não está incluído na lista de proibições de viagem."
Robyn Barnard, diretora sênior de defesa dos refugiados e advogada da Human Rights First