
Gidalti Guedes da Silva — Doutor em educação. Professor da disciplina de lutas no curso de educação física da Universidade Católica de Brasília (UCB)
Conheci o mundo das lutas em 1989, quando iniciei a prática do Karatê-Do, em Belém do Pará. Ao longo de minha vida, o Karatê se manteve presente, trazendo-me benefícios físicos e psicológicos. Por esse motivo, abordo o tema deste artigo sem uma pretensa neutralidade, mas como um sujeito implicado ao objeto, integrando a experiência pessoal aos saberes científicos.
A comunidade científica tem comprovado que as artes marciais trazem benefícios para a saúde mental, com melhoria da qualidade de vida das pessoas. Por exemplo, artigo publicado recentemente no periódico Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento evidenciou que a prática das lutas contribui no combate à ansiedade e à depressão. Mas, de que modo a prática de uma arte marcial traz benefícios para a saúde mental?
Em artigo publicado na Revista Brasileira de Medicina do Esporte, Marco Mello evidencia que toda prática regular de exercícios físicos corrobora para a liberação de endorfinas (hormônios da felicidade), que promovem o relaxamento, a melhora do humor e a redução dos sintomas de estresse. Sendo assim, os benefícios dos exercícios físicos para a saúde mental estão presentes na prática regular de qualquer modalidade de luta. Contudo, eu gostaria de abordar alguns benefícios psicológicos específicos da prática de uma arte marcial.
Durante os treinos marciais, os praticantes vivenciam situações de confronto, pressão, frustração e falhas, aprendendo a fazer gestão de suas emoções, tanto nos treinos quanto em situações análogas do cotidiano. Aquele que se sente impotente diante dos problemas a a reagir com maior autoestima, resiliência e capacidade de enfrentamento. Contudo, a atitude de "lutar" não deve simplesmente liberar pulsões de agressividade, vinculadas ao nosso instinto de autoconservação. Por isso, ao o que a arte marcial encoraja para o combate, também ensina o praticante a identificar e a sublimar sentimentos primitivos de agressividade. Esse é um aprendizado de grande valor para a gestão das emoções e para a saúde das relações interpessoais.
No karatê, o equilíbrio entre encorajamento e autocontrole é alcançado por meio do treinamento do baixo abdômen (hara ou seika tanden). Mestres como Funakoshi, Nakayama e Kanazawa ensinam que, ao executar cotidianamente as técnicas, o karateca deve aplicar corretamente o giro de quadril, a contração muscular e a respiração, trabalhando a estrutura muscular pélvica e abdominal. Além dos benefícios físicos diretos, esse treinamento fortalece a consciência corporal, a concentração, bem como a percepção de si e do mundo exterior.
O princípio da atenção plena, também conhecido como Zanshin, é outro relevante ensino do karatê com efeitos terapêuticos notáveis. Durante os treinos, o praticante é desafiado a estar presente, vivendo a experiência da aula de modo pleno, integrando corpo, alma e espírito. Desse modo, o pensamento não se perderá em devaneios do ado (remorso ou culpa). Também não estará cativo do futuro (insegurança e ansiedade). De acordo com Miyamoto Musashi em Gorin no sho: o livro dos cinco anéis, essa atenção deve ser colocada na vida presente, nos riscos e oportunidades do agora, valorizando os detalhes, sem desprezar a visão do todo. Quando isso ocorre, o praticante toma maior consciência de si mesmo e identifica suas fragilidades e sentimentos inapropriados. Esse processo de autoconhecimento catalisa movimentos existenciais de cura.
Ao longo dos anos, tenho visto os benefícios da arte marcial para a melhoria da saúde mental de vários alunos. Tomo como exemplo o caso de Bianca Lozeros, acadêmica de arquitetura da Universidade Católica de Brasília (UCB), que tem encontrado no karatê uma alternativa no enfrentamento à ansiedade e à depressão. Tenho plena convicção de que não se trata de um caso isolado, mas uma rotina de tantas academias de arte marcial.
Concluo aqui, confirmando a tese de que a prática de artes marciais traz benefícios para a saúde mental. Além disso, advogo que o ensino das lutas pode ser considerado uma espécie de terapia integrativa, que contribui para a promoção da qualidade de vida dos sujeitos.