Opinião

A resposta somos nós

Povos indígenas defenderam, em Brasília, mais espaços nas discussões que envolvam não somente o seu futuro, mas o de toda a humanidade

 Marcha de indigenas do movimentoTerra Livre na Esplanda dos Ministérios  -  (crédito:  Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Marcha de indigenas do movimentoTerra Livre na Esplanda dos Ministérios - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Eliana Lucenajornalista

Com grandes desafios pela frente, o país celebra neste sábado, dia 19, o Dia dos Povos Indígenas, após a realização do 21º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília.  Durante a última semana, quem atravessou o portal que se abria para o acampamento com mais de 7 mil indígenas, representando 200 povos, sentiu o impacto da mobilização que reuniu desde líderes históricos, como Raoni Metuktire, a jovens que discutiram e levaram reivindicações aos representantes dos Três Poderes.

 A caminhada dos indígenas até 2025 exigiu resistência para enfrentar grandes obstáculos. Durante a década de 1970, em pleno regime militar, para a realização de encontros, era preciso burlar a vigilância da Funai e dos órgãos de segurança do governo. Os primeiros de maior porte foram organizados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em Diamantino, no Mato Grosso, e o segundo na Missão Cururu, no Pará, terra dos índios Munduruku.

 No Pará, bispos e missionários transportaram em pequenos aviões e canoas representantes de diferentes etnias até o local, onde muitos grupos se viram frente a frente pela primeira vez. Dali saíram determinados a lutar em defesa de suas terras e de sua cultura. Outros encontros regionais foram desmobilizados pela Funai, com o apoio da Polícia Federal, como o de Roraima, realizado pouco tempo depois.

 Paralelamente, sertanistas, indigenistas e organizações não governamentais (Ongs) se juntavam à luta pelos direitos das populações indígenas, ampliando a mobilização. A Funai demitiu arbitrariamente muitos de seus servidores, e a anistia só viria anos depois. Líderes também faziam ouvir suas vozes, como Raoni e Mario Juruna, que chegou a Brasília com um gravador nas mãos. Ele cobrava ações do governo nas áreas dos Xavantes ameaçadas por fazendeiros no Mato Grosso.

O movimento cresceu desde então, e a primeira grande vitória foi garantir, na Constituição de 1988, um capítulo especial sobre os direitos e deveres do Estado. O Brasil chegou à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92) com uma legislação que reconheceu aos povos indígenas a terra e o usufruto exclusivo de suas riquezas, a sua organização social e a sua autodeterminação.

No entanto, os avanços obtidos na nova Constituição fizeram eclodir um novo quadro em que os avanços garantidos aos indígenas começaram a ser bombardeados pelo agronegócio, por garimpeiros, madeireiros, construção de hidrelétricas e de outros empreendimentos, muitos deles de interesse dos governos estaduais e federal. A situação persiste até hoje, atingindo seu ponto crítico durante o governo de Jair Bolsonaro. A luta tem sido impedir retrocessos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu tendo de encarar um legado pesado, além de um Congresso Nacional majoritariamente anti-indígena. Mesmo com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, as dificuldades persistem. Diante de um governo quase engessado pelas pressões, o ATL 2025 defendeu, em Brasília, mais espaços nas discussões que envolvam não somente o seu futuro, mas o de toda a humanidade.

"A resposta somos nós"  foi uma das principais bandeiras da marcha até o Congresso Nacional que acabou em pancadaria pela polícia. Os indígenas querem ser ouvidos sobre alternativas de mitigação no enfrentamento das mudanças do clima. Hoje são eles que mais preservam o meio ambiente no país. Estudo do MAPbiomas Brasil revela que, nos últimos 38 anos, as terras indígenas perderam 1% de sua vegetação nativa, enquanto em áreas particulares a perda foi de 17%.

Mulheres presentes em Brasília alertaram que os desmatamentos e as queimadas já estão afetando a qualidade de vida em muitas aldeias, com a poluição do ar e da água. O movimento quer, ainda, ter voz ativa na polêmica que envolve a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas e no processo de transição do uso de combustíveis fósseis para energias menos poluentes.

A carta final da mobilização, assinada pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), aponta para imes pela frente. Um deles envolve as discussões da Câmara de Conciliação no STF sobre o Marco Temporal. "É o maior ataque aos direitos indígenas desde a Constituição de 1988" . O documento também reforça que os embates continuarão no Legislativo. "Exigimos o arquivamento de todas as propostas anti-indígenas em tramitação no Congresso Nacional".

 

Por Opinião
postado em 18/04/2025 06:00
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