
CARLOS BOCUHY, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)
Os motores do desmatamento no Brasil continuam extremamente elevados, a pouco mais de sete meses da COP30, em novembro, em Belém do Pará. Neste período acentuado de mudanças climáticas, os sumidouros de carbono, representados pela vegetação da Amazônia e do Cerrado, continuam a ser devastados, conforme mostra este artigo, o que colocará o país em situação delicada diante do mundo.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Outros fatores estão entrando em cena: o retorno do mercantilismo, implementado pela política norte-americana de Donald Trump, e a guerra comercial que poderá turbinar o desmatamento da Amazônia, ao lançar taxações sobre o mercado chinês, cuja demanda tenderá a migrar para a soja brasileira.
As consequências sinalizam para o agronegócio do Brasil que haverá maior demanda na produção agrícola para a China. Isso ocorreu no ado, durante o mandato anterior de Trump, o que pressionou fortemente a demanda por soja brasileira pela China, elevando os índices de desmatamento.
Não há de se negar que a dinâmica econômica por commodities, como a soja, interfere fortemente na política de uso do solo, especialmente em países, como o Brasil, vulnerável às práticas ilegais em territórios sobre proteção ambiental. Milhares de quilômetros de floresta e Cerrado são sacrificados, deteriorando sumidouros de carbono, sacrificando a biodiversidade e lançando ecossistemas ricos em vida para a desertização.
O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de soja. Em 2024, o país expotou um total de 97,299 milhões de toneladas, de acordo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec); a produção foi de 164,4 milhões de toneladas, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados apontam que, desde 2019, o preço da soja aumentou devido à demanda por ração animal à base de soja da China e à guerra da Rússia na Ucrânia. Os preços da soja, em 2024, estabilizaram-se, mas permanecem altos, potencialmente incentivando mais desmatamento e conversão para expandir as plantações de soja.
No Brasil, uma das maiores dificuldades é o enforcement, a aplicação da lei, diante das fortes pressões econômicas. Mesmo com a moratória da soja após 22 de julho de 2008 — iniciativa voluntária celebrada com empresas produtoras do cereal para impedir a comercialização produzida em áreas desmatadas da Amazônia —, a devastação ambiciosa continua a pressionar a regularidade do setor.
Segundo estudos do Instituto Centro de Vida (ICV), com base nos dados do Prodes, do Inpe, entre agosto de 2023 e julho de 2024 dois terços do desmatamento na Amazônia e no Cerrado foram ilegais. Na Amazônia, 90,8% do desmatamento foi ilegal. O quadro é dramático. Os tratados sobre clima, diversidade biológica e combate à desertificação estão cada vez mais ameaçados pela prática agrícola e pecuária predatória.
As consequências dessa devastação apontam para o ponto de não retorno da Floresta Amazônica, maior hotspot de risco ambiental planetário na América do Sul. Segundo estudos do Centro de Resiliência de Estocolmo (SRC), sua destruição implicaria alterações drásticas na refrigeração da Linha do Equador, possibilitando efeitos— cascata planetários com a alteração da AMOC (corrente marítima do Oceano Atlântico) e maior liberação de metano do permafrost da região do Ártico. O que é Permafrost e por que se importar? — LABPED.
As consequências para a humanidade seriam extremamente duras. Segundo Steven Lade, do SRC, "os impactos dos pontos de inflexão físicos podem desencadear inflexões sociais, como desestabilização financeira, interrupção da coesão social e conflitos violentos que amplificariam ainda mais os impactos sobre as pessoas". Novo relatório: Ameaças e oportunidades de ponto de inflexão aceleram — Centro de Resiliência de Estocolmo
O Brasil está se preparando para a COP30 e um dos maiores compromissos a serem assumidos na conferência são as metas de redução das emissões (NDCs). Essa tarefa está se tornando cada vez mais difícil para o Brasil, especialmente em sua forma pragmática, que vai além de discursos e metas colocadas no papel.
A insistência do governo federal em perseguir a matriz fóssil, com a extração de petróleo na área da foz do Rio Amazonas e a tempestade econômica que turbina o desmatamento, merecem avaliação mais estratégica do governo brasileiro, à luz da crise climática que vem se aprofundando em intensidade maior do que a esperada.
O Brasil, como anfitrião da COP30, deve se afastar de discursos dúbios e sem sustentação científica. Não tratará com massa crítica ingênua, mas com a expertise de centenas de cientistas e instituições que, ao longo dos últimos 40 anos, adquiriram notável conhecimento e percepção sobre o fenômeno do aquecimento global.
Saiba Mais