
CARLOS LONGO, reitor da Universidade Católica de Brasília (UCB) e vice-presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed)
A educação brasileira vive um paradoxo. Enquanto o mundo avança em modelos híbridos e disruptivos, nós ainda discutimos se o ensino a distância (EaD) "presta" ou não, como se fosse uma simples partida de futebol. Criou-se um consenso perigoso de que a polarização é mais relevante do que o pensamento crítico e a evolução científica. amos mais de um ano debatendo se o novo marco regulatório do EaD restringe ou libera, mas pouco refletimos sobre o momento crucial que vivemos na educação superior.
O contexto agrega a falácia da guerra entre EaD e presencial. De um lado, os que preveem o fechamento de universidades e o abandono dos menos favorecidos sem o EaD. De outro, os "defensores da qualidade" afirmam que a modalidade a distância não forma bons professores ou profissionais da saúde — mesmo que, na realidade, não existam cursos 100% EaD nessas áreas no Brasil. Enquanto isso, perdemos tempo valioso em um Fla-Flu de desinformação, quando deveríamos estar discutindo como melhorar a aprendizagem para torná-la inclusiva e de qualidade.
O problema é mais profundo: universalizamos o o da educação básica, mas colhemos resultados pífios no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), analfabetismo funcional crescente e temos uma geração que, mesmo concluindo o ensino médio, não avança para o ensino superior. Ao mesmo tempo, a pandemia e a revolução da inteligência artificial (IA) transformaram o comportamento dos estudantes, que hoje demandam, e preferem, processos de aprendizagem mediados por Tecnologias da Informação e Comunicação Digital (TICD). Vivemos em um mundo "figital", que traz a fusão do digital; social e físico, e negar isso é tão perigoso quanto negar a ciência, as vacinas ou o aquecimento global.
O EaD não é vilão, nem salvador: é um formato educacional poderoso e relevante para a sociedade contemporânea. O EaD foi essencial para que a sociedade global sobrevivesse à pandemia. Ele não é um "mal necessário", mas um dos formatos mais eficientes de aprendizagem quando bem aplicado. O modelo tradicional, centrado no professor como único detentor do conhecimento, não está apenas ultraado, deveria ser considerado "um crime contra o desenvolvimento humano em plena era da informação".
No entanto, isso não significa que a qualidade docente, a prática e a experimentação devam ser negligenciadas. Cursos de licenciatura, saúde e exatas necessitam de atividades presenciais em laboratórios físicos e ambientes profissionais reais. O futuro está no hibridismo bem planejado, onde ambientes virtuais de aprendizagem, professores, sala de aula e simulações digitais se complementam com vivências práticas presenciais, criando um processo de aprendizagem rico e adaptável.
Na nova onda do ensino superior, vivemos um momento de dinamismo ou de obsolescência? Não há, no Brasil, uma Diretriz Curricular Nacional (DCN) que permita cursos 100% EaD. Portanto, tanto os "alarmistas quanto os puristas" da qualidade estão equivocados. Mas o debate não pode parar aí. O ensino superior está entrando em uma onda disruptiva — e só sobreviverá com regulamentações dinâmicas e instituições que entendam a demanda da sociedade e do mercado figital.
Se reguladores e provedores de serviços educacionais não se adaptarem, serão considerados obsoletos. O mercado e a sociedade buscarão novos modelos de formação, limitando o ensino superior apenas à pesquisa e à titulação, enquanto a aprendizagem contínua migrará para plataformas flexíveis e personalizadas.
O novo marco sai agora, precisamos parar de tratar o EaD como um jogo de "certo ou errado" e encará-lo como uma ferramenta poderosa, mas que exige responsabilidade. A educação do futuro será híbrida, com professores, mediada por tecnologia, mas sem renunciar à experimentação e à prática. O Brasil não pode perder mais tempo em brigas ideológicas. É hora de navegar nesse mundo figital com criticidade, inovação e, acima de tudo, foco no aprendizado real, inclusivo e de qualidade.
Precisamos superar dicotomias e priorizarmos a qualidade da aprendizagem em um mundo que já é figital. O EaD não é o fim da educação tradicional. É o começo de uma nova era.