
A insistência do governo em manter o decreto que ampliou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) tem um objetivo político-econômico embutido: abrir o debate sobre o valor a que chegaram as emendas parlamentares e a necessidade de levar o Congresso a dar a sua parcela de contribuição no corte das despesas — além dos R$ 7 bilhões anunciados na última semana. Desde o início deste terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os ministros palacianos e a equipe econômica reclamam que o valor destinado às emendas é muito alto. Agora, mais uma vez, o governo tentará forçar essa negociação. O que se ouve entre os ministros é que "era preciso colocar esse bode na sala para levar o legislativo a negociar".
Até aqui, não foram poucas as vezes em que o governo quis elevar impostos para ver se o Legislativo aceitava reduzir o avanço sobre o Orçamento da União. Já foram vários projetos. Tentou-se mexer nas subvenções, na tributação de fundos fechados, no Pix, nas compras internacionais acima de US$ 50. Alguns projetos ficaram pelo caminho, outro o governo conseguiu aprovar. A arrecadação continuou subindo com o respiro da economia e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
No ano ado, por exemplo, o governo fechou dezembro com uma arrecadação de R$ 2,7 trilhões, o maior valor registrado em 30 anos. Esse recorde representou um aumento real de 9,5% em relação a 2023, já descontada a alta da inflação no período. Ou seja: o Executivo não pode reclamar desse número. O problema é que as despesas também cresceram, embora não tanto quanto a arrecadação. Mas, para um governo que já apresentava deficit, não era possível. Só os programas sociais tiveram um aumento de 2,8% na despesa.
Diante do crescimento da despesa e das dificuldades de cortes, o governo cobiça os R$ 50 bilhões que o Congresso controla, sendo a maioria deste valor de forma impositiva — ou seja, de liberação obrigatória. E, até agora, por mais que tenha pressionado os parlamentares, o Palácio do Planalto não conseguiu abocanhar essa parte do Orçamento para seus projetos. E é nesse contexto que vem agora o decreto que aumentou a taxa do IOF. A esperança da equipe econômica é que os congressistas negociem algo que envolva as emendas, nesses 10 dias de ultimato dados pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
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Lula, que já foi cobrado por Motta a negociar o decreto que aumentou o IOF, se mostrou disposto a sentar para conversar. Ao discursar na presença do presidente da Câmara, no congresso do PSB, ontem, foi direto: "O governo tem de aprender que, quando quiser ter uma decisão que seja unânime, entre todos os partidos, o correto não é a gente tomar uma decisão e depois comunicar. [O certo] é chamar as pessoas para tomar a decisão junto com a gente para que a gente possa, quando chegar [na Câmara], as coisas estarem mais ou menos alinhadas", disse, na sequência de elogios que fez a Motta.
Queda de braço
O governo sabe que o Congresso tende a derrubar o decreto do IOF, caso não mude a proposta. Nesse sentido, o país assistirá, esta semana, uma queda de braço. Numa ponta da mesa, o Executivo tentando convencer os congressistas a cortar ainda mais parte das emendas impositivas, para chegar aos R$ 20 bilhões que o governo espera arrecadar com o decreto do IOF. Na outra, os congressistas pressionam o Executivo a tesourar despesas de ministérios e programas que se mostrem ineficientes.
Motta não pretende ir para essa mesa de negociação de mãos vazias. Ao mesmo tempo em que cobrou a presença de Lula nas discussões, criou grupos de trabalho para examinar os subsídios concedidos aos mais diversos setores, estudar a reforma istrativa e corte de despesas. E, de quebra, ainda pretende levar a voto o projeto que dá mais instrumentos para que o país corra atrás dos devedores contumazes, relatado pelo deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). "É preciso que o país trate de correr atrás desses recursos que deixam de ser arrecadados dos devedores contumazes. Se fizesse isso, o problema do deficit estaria resolvido", afirma o deputado.
No Congresso, é voz corrente que, desta vez, a negociação com o governo terá que ser no mérito das propostas. É que, com a popularidade em baixa e a eleição logo ali, o toma lá dá cá perde força. "A governança da cooptação fracassou. É preciso construir um diálogo em outras bases", afirma Danilo Forte.
Vale lembrar que, no caso das emendas, o máximo que o Executivo conseguiu nos últimos anos foi obrigar que metade das propostas individuais sejam destinadas à área da saúde. Nem mesmo com o Supremo Tribunal Federal (STF) cobrando transparência total, os congressistas recuaram dos valores que controlam. E tem muita gente dizendo que ainda não será desta vez que este recuo ocorrerá.
Na última quinta-feira, Motta disse ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e à ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) que o clima na Câmara é pela derrubada do decreto que aumentou o IOF. Lula, por sua vez, saiu em defesa do comandante da equipe econômica. "Ele sabe como que encontramos esse país istrado da forma mais irresponsável possível. E consertar isso leva tempo", disse, em um evento no Paraná, na quinta-feira. O ministro estava presente.
No Orçamento de 2025, a Saúde teve incremento de R$ 4,9 bilhões em relação ao ano anterior, ando de R$ 241 bilhões, em 2024, para R$ 246 bilhões, neste ano. Educação, por outro lado, teve corte de R$ 2,7 bilhões entre um ano e outro, ando de R$ 200 bilhões para R$ 197 bilhões, em 2025. Outras altas na peça orçamentária foram em Transferências a Estados, DF e Municípios (+ R$ 15,6 bilhões); Previdência (+ R$ 8,3 bilhões); Integração e Desenvolvimento Regional (+ R$ 4,4 bilhões); Esporte (+ R$ 2,2 bilhões); Agricultura (+ R$ 2,1 bilhões); e Turismo (+ R$ 1,9 bilhão).
Problema crônico
O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido marcado pelo dilema de como financiar uma agenda expansionista de programas sociais sem aumentar impostos onerando contribuintes. Analistas ouvidos pelo Correio confirmam que a situação das contas é um problema crônico e anterior ao atual governo, mas avaliam que a continuação do problema tem responsabilidade da atual equipe econômica.
Segundo o especialista em contas públicas Murilo Viana, Lula III falhou em limitar o crescimento de despesas obrigatórias desde antes de assumir, quando negociou com o Congresso a PEC da Transição, no fim de 2022, que permitiu ao governo gastar R$ 145 bilhões acima do teto de gastos — sendo R$ 70 bilhões só para o Bolsa Família. "Quando o governo criou o arcabouço fiscal [para substituir o teto de gastos], era necessário fazer ajustes nas despesas públicas, porque as obrigatórias continuaram subindo num ritmo superior à taxa de crescimento do arcabouço fiscal. E como era possível o arcabouço fiscal perdurar mesmo com despesa obrigatória crescendo acima da taxa permitida? As despesas discricionárias teriam que crescer menos para poder ar", explica.
A solução encontrada pelo governo foi restringir, ano a ano, despesas discricionárias com contingenciamentos e bloqueios esporádicos. "Só que as despesas discricionárias já eram muito baixas, abaixo de 10% do PIB. O governo não promoveu mudanças significativas no âmbito das despesas — pelo contrário. Quando cai o teto de gastos e cria a PEC da Transição, o Executivo não mexe na emenda constitucional. Não aproveita aquele momento — e tinha sido alertado a respeito — para criar algum mecanismo, ao menos intermediário, de correção dos valores da Saúde e da Educação", aponta.
Rafael Prado, economista da GO Associados, lembra que o problema do deficit primário (a diferença entre as receitas e despesas sem considerar os gastos com os juros da dívida) é anterior a Lula. Ele destaca que o teto de gastos, gestado no governo de Michel Temer, teve dificuldades de parar em pé.
"Mesmo sob o teto de gastos que vigorou até 2022, a gente só teve de fato superavit em 2022. Os outros anos foram todos de deficit. O que diferencia é o arcabouço e a projeção de receitas do governo que muitas vezes é irrealista, o que tem mais a ver com a atual gestão", explica.
Para Prado, o governo deveria trabalhar para trazer de volta às negociações com o Congresso algumas medidas do pacote de corte de gastos, apresentado em 2024, mas desidratado pelo Legislativo. "Há algumas coisas que ficaram para trás naquele pacote, que o governo divulgou em novembro do ano ado, e que poderiam voltar para a mesa agora. Como a revisão de penduricalhos do Judiciário, que é um dos mais caros do mundo. Querendo ou não, isso afeta o desempenho das contas públicas e não está sendo discutido", avalia Prado.
Outra possibilidade, segundo o economista, seria a revisão do montante de emendas parlamentares. No Orçamento de 2025, o valor reservado para este fim é de R$ 50 bilhões, equivalente a pagar o programa Pé de Meia (que custa cerca de R$ 12,5 bilhões por ano) quatro vezes. Em março, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, defendeu uma revisão do montante gasto com emendas parlamentares. Ela comentou que a pauta de redução de renúncias tributárias tem dificuldades de aprovação no Executivo e culpou o Congresso pelo afrouxamento do pacote de corte de gastos em 2024.
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