
Uma criação brasileira acaba de ser reconhecida internacionalmente: o desenvolvimento do MRad, um modelo baseado em inteligência artificial (IA), que consegue prever a progressão da doença pulmonar intersticial associada à artrite reumatoide (RA-ILD) — uma das formas mais graves da doença. O diagnóstico precoce é difícil, pois os sintomas iniciais nem sempre são percebidos nos exames existentes. Com o método inédito, é possível detectar esses sinais, antes quase invisíveis. Utilizando a imagem feita pelo tomógrafo, o sistema aplica algoritmos que verificam as indicações sobre a evolução do diagnóstico.
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Licia Maria Henrique da Mota, diretora científica da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), venceu com o projeto inovador o PANLAR Innovation Award 2025, um dos principais prêmios da reumatologia panamericana. "O modelo utiliza inteligência artificial para captar alterações mínimas nos pulmões, invisíveis aos olhos humanos nos estágios iniciais", explica. "Ele analisa padrões sutis nas imagens de tomografia, permitindo detectar riscos de progressão da doença muito antes dos sintomas se agravarem ou dos testes de função pulmonar indicarem problemas."
Para testar o sistema, foi realizada uma pesquisa, conduzida dentro da coorte BERTHA, reunindo 105 pacientes com RA-ILD acompanhados por pesquisadores de três grandes centros científicos — Universidade de Brasília (UnB), Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e sob a coordenação da pesquisadora Letícia Kawano, do Hospital do Coração (HCOR) de São Paulo.
Um dos diferenciais da tecnologia é o uso do índice reticulovascular ponderado (WRVS), que mede, de forma automatizada, pequenas alterações estruturais nos pulmões. "O WRVS avalia alterações em vasos e áreas de fibrose com muito mais precisão e consistência do que a análise visual feita apenas por especialistas. Isso torna o diagnóstico mais rápido, objetivo e confiável", ressalta Licia.
Integração
O modelo também se destaca por integrar dados de diversas fontes. "Além das imagens dos pulmões, o sistema combina informações clínicas, como sintomas e histórico médico; laboratoriais, como marcadores inflamatórios, fator reumatoide e anti-C; e dados genéticos. Essa integração multiplica a capacidade de identificar precocemente os pacientes com maior risco de evolução da doença", explica a reumatologista.
Para desenvolver a ferramenta, foram criadas regras e instruções via IA para analisar dados, aprender e tomar decisões com base nas informações da própria coorte. "Treinamos os algoritmos usando as tomografias e dados clínicos dos 105 pacientes. A inteligência artificial foi 'ensinada' a reconhecer perfis de progressão e, depois, testada em novas análises para confirmar sua precisão", diz. Todo o processo foi validado com métodos estatísticos robustos.
Um dos diferenciais da tecnologia é o uso do índice reticulovascular ponderado (WRVS), que mede, de forma automatizada, pequenas alterações estruturais nos pulmões. "O WRVS avalia alterações em vasos e áreas de fibrose com muito mais precisão e consistência do que a análise visual feita apenas por especialistas. Isso torna o diagnóstico mais rápido, objetivo e confiável", ressalta Licia.
A implementação da IA contou com o apoio da Brainomix, empresa britânica ligada à Universidade de Oxford. "A Brainomix será nossa parceira no desenvolvimento e aplicação da plataforma. Eles fornecem e técnico essencial para transformar as tomografias em dados quantificáveis de alta precisão, fundamentais para o MRad."
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Exatidão
Com base nas previsões fornecidas pelo modelo, os médicos podem tomar decisões mais assertivas. "Ao identificar quem está em risco de piora, podemos iniciar tratamentos mais intensivos mais cedo, como terapias antifibróticas ou imunossupressoras. Já para pacientes estáveis, é possível evitar tratamentos agressivos desnecessários, oferecendo um cuidado mais seguro, personalizado e eficiente", afirma.
A equipe também pensa na ampliação do o. "Queremos disponibilizar a ferramenta via plataformas digitais, usando a nuvem, para que hospitais de diferentes portes consigam ar a tecnologia sem precisar de grandes investimentos locais", diz a especialista. "Também planejamos treinar equipes médicas para garantir o uso correto da inteligência artificial mesmo em regiões com menos recursos."
Segundo a pesquisadora, a padronização é uma grande conquista do sistema. "A IA elimina as diferenças de interpretação que podem ocorrer entre médicos, padronizando a análise das imagens, reduz erros diagnósticos e torna o acompanhamento da doença muito mais preciso e confiável", disse. A ferramenta será testada em grupos maiores e diversos. "Vamos expandir os testes para outras populações, tanto no Brasil quanto em outros países, para confirmar que o modelo funciona em diferentes perfis de pacientes. Também queremos aplicar essa tecnologia em outras doenças pulmonares inflamatórias, ampliando seu impacto na prática médica."
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi
Saiba Mais
Luciana Muniz, médica reumatologista do Sírio-Libanês em Brasília
Que tipo de treinamento ou adaptação os profissionais de saúde precisarão para integrar essas novas tecnologias de IA no dia a dia da reumatologia?
Os profissionais precisarão de educação em fundamentos de inteligência artificial, especialmente na interpretação dos modelos, dos dados e das suas limitações. E isso necessita de esforço da equipe multiprofissional, tanto para reumatologistas, radiologistas e profissionais de TI, para garantir que os sistemas de IA sejam utilizados de forma segura e eficaz. Importante destacar que o uso consciente da IA exige senso crítico e entendimento básico de como os modelos são treinados e validados.
A identificação precoce da doença pulmonar intersticial ainda é uma lacuna?
Doença pulmonar intersticial associada a artrite reumatoide ocorre em até 30% dos pacientes, segundo estudos, porém, ainda é muito subdiagnosticada. O estudo BERTHA que estamos realizando avaliou prospectivamente pacientes com artrite reumatoide e doença pulmonar intersticial e esperamos acrescentar mais conhecimento nessa tema e ajudar mais médicos e pacientes.
Quais são os principais desafios para a adoção de tecnologias baseadas em IA nos protocolos de atendimento de pacientes com artrite reumatoide?
Entre os principais desafios temos a integração técnica das ferramentas de IA aos sistemas de prontuário eletrônico, a validação clínica em diferentes populações, e também o treinamento por parte dos profissionais de saúde. Há também aspectos éticos e regulatórios. Além disso, é essencial garantir que a IA complemente — e não substitua — a avaliação médica, mantendo o juízo clínico como central. (RB)
Algoritmos avançados
Eles são formados por regras e padrões de IA de aprendizado de máquina para identificar s radiômicas em imagens de tomografia computadorizada para transformar a prática clínica no manejo de pacientes com doença pulmonar intersticial associada à artrite reumatoide.
Condição autoimune
Condição inflamatória autoimune. a RA-ILD além de causar dores e deformações articulares, pode afetar órgãos internos, como os pulmões. Quando essa inflamação compromete o tecido pulmonar, é capaz de evoluir para fibrose e provocar a insuficiência respiratória, levando à morte. É uma manifestação extra-articular da AR, que pode apresentar diferentes subtipos de DPI, como a pneumonia intersticial idiopática e a fibrose pulmonar. No Brasil, a estimativa sobre essas doenças ainda não é totalmente conhecida.
Presente em várias frentes
A inteligência artificial (IA) desempenha um papel cada vez mais significativo na área da saúde, em diversas atividades clínicas, istrativas e científicas. O uso vai desde a automatização de tarefas até a análise de dados, oferecendo e avançado para decisões médicas. Especialistas destacam que seu impacto vai além da simples substituição de processos, permitindo a descoberta de padrões ocultos e a personalização do cuidado com os pacientes.
Por meio de algoritmos aprimorados, é possível identificar doenças com elevado grau de precisão, como em exames de imagem utilizados na detecção precoce de câncer. Além disso, ferramentas baseadas em IA contribuem para recomendações voltadas à saúde mental, aprimoramento de protocolos terapêuticos e monitoramento contínuo do estado clínico. A aplicação, segundo os estudiosos, não apenas amplia a qualidade da assistência, mas também tem potencial para reduzir desperdícios e tornar o sistema mais sustentável financeiramente.
Nos ambientes hospitalares, a presença da IA se evidencia em atividades como marcação de consultas, triagem automatizada, coleta e organização de prontuários, apoio em diagnósticos e otimização de fluxos operacionais. Também se destaca na fase pré-operatória, auxiliando na preparação de pacientes e na gestão de documentos. No campo da pesquisa científica, acelera a análise de dados complexos, identifica possíveis moléculas terapêuticas e antecipa resultados de estudos clínicos.
Outro avanço ocorre na robótica médica, em que a IA é empregada na reabilitação física, especialmente em casos neurológicos, como o acidentes vascular cerebral (AVC), ajudando na recuperação de movimentos e funções comprometidas. Também pode contribuir na melhoria da gestão hospitalar, sugerindo realocação de recursos humanos e materiais, reorganização de agendas para evitar sobrecarga e implementação de estratégias que aumentem a eficiência dos serviços de saúde. (RB)