Sucessão de Francisco

Ala ortodoxa de olho no controle da Igreja Católica

Depois de 12 anos de pontificado de um papa de ideias progressistas, a ala mais ortodoxa do Colégio Cardinalício busca exercer sua influência para eleger o futuro líder dos católicos

Na Via del Corso, em Roma, homenagem ao papa Francisco, que teve um pontificado marcado por ações consideradas mais progressistas   -  (crédito:  AFP)
Na Via del Corso, em Roma, homenagem ao papa Francisco, que teve um pontificado marcado por ações consideradas mais progressistas - (crédito: AFP)

Enviado especial // Roma — O cardeal húngaro Péter Erdo, 72 anos, um dos principais expoentes da ortodoxia dentro da Igreja Católica, ou a ser visto com um pouco menos de entusiasmo nas bolsas de apostas de Roma como potencial pontífice. No entanto, é um nome respeitado. Nos últimos 12 anos, o papa Francisco expandiu a Igreja para as periferias e fez 135 eleitores, inclusive em países distantes. Outro nome da ala conservadora cotado na mídia italiana é o do guineense Robert Sarah, 79, que pode se tornar o quarto papa da África — o último foi Gelásio I, no ano 496.

Após o pontificado do jesuíta argentino, os "conservadores" esperam reposicionar a Igreja no caminho de um maior rigor doutrinário, especialmente depois que Francisco fez acenos à comunidade LGBTQIAPN+, sinalizou abertura da Igreja para conceder bênção a casais homoafetivos e trabalhou por um protagonismo mais ativo das mulheres em cargos de destaque na instituição milenar. A grande questão é se a ala mais ortodoxa conseguirá se unificar em torno de um nome. 

Vaticanista do jornal italiano La Stampa e autor de dois livros-entrevistas com Francisco, Domenico Agasso não acredita em uma crise dentro da ala mais ortodoxa do Colégio Cardinalício. "Creio que eles estejam prontos para se unirem em torno de vários temas, como a bioética e a liturgia", disse ao Correio. No entanto, apesar de reconhecer que existem vários nomes da parcela mais alinhada à direita na Igreja, Agasso disse não saber qual dos cardeais poderia atrair os votos dos demais durante o conclave. Para alguns especialistas, Francisco soube desempenhar um papel aglutinador, e não polarizador. 

Sem rótulos

Silvonei José Protz, responsável pela Rádio Vaticano e pelo site Vatican News em português, crê ser difícil rotular um cardeal como progressista ou conservador. "Para quem vive dentro da Igreja, isso não existe. É uma visão que a gente tem de posicionamentos ou de interpretações de certas coisas que nossos pastores fazem. Mas, dentro do conclave, isso se torna muito redutivo", afirmou à reportagem. "O que pode ocorrer é o olhar que temos sobre essas pessoas na iminência de votar. Nossos cardeais visam ao bem da Igreja. O Evangelho é o centro, e ali não temos nem direita nem esquerda. No centro, temos a figura de Jesus, o ser humano, principalmente, aqueles descartados, como tanto falou o papa Francisco."

Segundo Protz, pode existir um cardeal ortodoxo na visão doutrinária ou na visão pastoral. "Essas diferenças naturalmente existem. Mas, dizer que isso corta a visão das pessoas? O papa Francisco, absolutamente, não fez isso. Inclusive, deu total liberdade de expressão e sempre dizia: "Falem aquilo que vocês sentem!". Durante o Sínodo, ele falava que estava ali para escutar a todos. "Esse 'todos' dizia exatamente sobre suas posições. Pelo bem da Igreja, visando ao bem do homem, não creio que devamos entrar no chão de 'direita', 'esquerda' ou 'centro'", opinou.

Protz acrescentou que, dentro da seara da ortodoxia, Erdo era um "nome forte" . "Agora, entender a possibilidade de termos um papa mais nessa linha, é o Espírito Santo quem dirigirá os cardeais. Nesses dias de reuniões, o ambiente parece ser bem sereno. A visão que se faz, hoje, do perfil do próximo papa é a de alguém que possa responder às necessidades da Igreja hoje e da humanidade."

O padre colombiano Jonathan Marín Cano, da Companhia de Jesus, disse ao Correio não ver uma explícita oposição ao legado de Francisco na Igreja, "Se existe, ela é muito pequena para influenciar no conclave. Na Igreja, sempre seguimos adiante", lembrou. O jesuíta destacou que Francisco fez 80% dos integrantes do Colégio Cardinalício. Essas nomeações, na opinião dele, impactam a governança da Igreja no sentido de avançar, incluindo a eleição de um sucessor do apóstolo Pedro.

Cano mencionou um ditado famoso que antecede a escolha do pontífice: "Quem entra num conclave como papa, sai como cardeal". "Por enquanto, tudo não a de conjecturas. Acredito que ninguém queria ser papa, não é um serviço fácil e requer muito de uma pessoa", acrescentou. Por isso, ele vê as congregações gerais como tão importantes: os cardeais se conhecem, especialmente suas visões sobre o estado da Igreja e, então, criam um perfil a partir dessas conversas, antes de partirem para o voto."

postado em 02/05/2025 06:00
x