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"Licenciamento sofreu um golpe de morte", diz Marina Silva

Ministra aponta retrocesso no projeto de lei aprovado pelos senadores e espera a reversão na Câmara. Líder do governo no Senado, Jaques Wagner sustenta que o Planalto discorda do texto avalizado pelos parlamentares

Marina disse que, se o projeto virar lei, haverá judicialização,
Marina disse que, se o projeto virar lei, haverá judicialização, "porque muito do que foi aprovado é algo claramente inconstitucional" - (crédito: Rogério Cassimiro/MMA)

A aprovação no Senado da Lei Geral do Licenciamento Ambiental causou sérias preocupações no Ministério do Meio Ambiente. A ministra Marina Silva reiterou, nesta quinta-feira, os posicionamentos que a pasta havia divulgado ao longo dos últimos dias e reforçou que considera o projeto de lei um retrocesso.

"Não podemos retroceder nem um centímetro nas agendas que o Brasil já avançou, inclusive no licenciamento ambiental, que agora sofreu um golpe de morte no Congresso Nacional (...)", frisou. "A sociedade brasileira tem a oportunidade de dar sustentabilidade política para que o licenciamento ambiental seja mantido, porque essa é uma linguagem que nós, os políticos, entendemos", acrescentou a ministra, que tem sido escanteada pelo governo em algumas questões fundamentais para a pasta, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial.

As declarações de Marina podem provocar atrito com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), de quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é aliado. Foi o parlamentar quem acelerou a análise do projeto, que tramitava na Casa havia quatro anos. Antes, ara 17 anos na Câmara.

A tendência, no entanto, é de que o governo — ao menos os integrantes alinhados à agenda ambiental, já que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, é defensor do projeto — atue para tentar conter danos na Câmara e reverter alguns dos pontos mais relevantes.

A razão é clara: além do fato de Lula ter dado ênfase à preservação ambiental em sua campanha eleitoral, em 2022, falta pouco mais de seis meses para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) 30 em Belém. O evento é uma das grandes apostas da gestão petista para tentar aumentar a autoridade do país no cenário internacional e consolidar o Brasil como referência em economia verde e soluções sustentáveis. A não interferência no que ambientalistas têm chamado de "a mãe de todas as boiadas" seria prejudicial à imagem do Planalto ante as nações que levam o assunto a sério.

Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, fez questão de dizer publicamente que o Planalto não concorda com o texto aprovado pelos parlamentares. "Apesar das intensas negociações com os relatores e todos os partidos durante os últimos meses, a versão final ficou distante do que nós, do PT, consideramos aceitável", pontuou, em um post em seu perfil no X.

"É lamentável ver o Congresso perder a oportunidade de aperfeiçoar a legislação brasileira sobre o meio ambiente, apesar das tragédias ambientais recentes que atingiram o país e às vésperas de sediar a COP30, num sinal trocado diante do protagonismo brasileiro no setor e dos compromissos internacionais em defesa do meio ambiente e de combate às mudanças climáticas", completou.

O senador Humberto Costa (PE), presidente interino do PT, também se posicionou. Disse que o projeto enfraquece o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Visão ultraada de desenvolvimento às portas da COP30. Retrocesso ambiental", pontuou.

Na Câmara, deputados do PT e do PSol anunciaram que vão trabalhar para derrubar as mudanças feitas pelo Senado. Para a líder do PSol na Câmara, Talíria Petrone (RJ), a aprovação é fruto dos esforços de uma bancada ruralista que nega as mudanças climáticas.

"A bancada ruralista do Congresso Nacional é negacionista, finge não saber o que está acontecendo no mundo e aprova o PL da Devastação, em total descomo com a realidade. O maior retrocesso ambiental em 40 anos. As mudanças climáticas não virão, elas já estão no presente. O PSol fará resistência na Câmara a esse descalabro aprovado no Senado”, afirmou no X.

Já o colega de bancada Ivan Valente (PSol-SP) destacou que o afrouxamento de licenças ocorre “exatamente quando o agronegócio e as grandes mineradoras tentam avançar na fronteira das florestas e dos biomas mais delicados do país”. 

A deputada Erika Kokay (PT-DF), por sua vez, relembrou o drama do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho e frisou que o país é um dos que mais sofre com as mudanças climáticas. "Na prática, é uma licença para desmatar", ressaltou.

Setores beneficiados

Na quarta-feira, dia da votação do projeto no plenário do Senado, 96 associações de diversos setores divulgaram uma carta aberta, em forma de anúncio pago, em alguns dos principais jornais do país e na internet. Entre os signatários, estão representantes do setor petrolífero, do saneamento, da mineração, do setor agropecuário, da indústria.

No documento, disseram que o licenciamento ambiental é “ferramenta essencial” para assegurar a sustentabilidade das atividades produtivas, mas defenderam haver uma necessidade urgente de “reestruturação” e “racionalização” do licenciamento ambiental.

A Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon) é uma das signatárias. O setor foi um dos principais beneficiados pelo texto aprovado na quarta, que incluiu a dispensa do licenciamento para sistemas e estações de tratamento de água e esgoto até o atingimento das metas de universalização.

Ao Correio, a diretora-executiva Christianne Dias afirmou que essa dispensa será essencial para o setor acelerar a ampliação dos serviços de água e esgoto no país. “Nós somos um setor que tem uma particularidade muito grande. Nós tratamos o esgoto. E quando não tratamos, o esgoto vai direto para o rio. Então para nós é importante ter um processo de licenciamento mais flexível, mais célere ou até mesmo a dispensa, porque o cenário contrário é muito mais prejudicial para o meio ambiente”, disse.

Ela explicou que o processo para obtenção de licenças ambientais para tratamento de água e esgoto é lento, o que atrasa a construção de estações em áreas sem coleta de esgoto. “Hoje as pessoas jogam esgoto direto no rio. Se você quiser tratar o esgoto, tem que pedir um licenciamento para poder fazer uma estação de tratamento de água e uma estação de tratamento de esgoto. A licença demora cinco anos para sair”, argumentou.

Também signatário, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) comemorou a aprovação do projeto. “Essa racionalização do sistema é fundamental não apenas para a eficiência, mas também para a efetiva proteção ambiental”, disse a entidade, em nota.

Questionamentos

Se o projeto ar na Câmara como está, deve ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo entidades ligadas à causa ambiental e senadores que se opam à aprovação, há diversas inconstitucionalidades no texto.

Para o advogado Rafael Guimarães, especialista em direito ambiental e mudanças climáticas pela PUC-SP, a possibilidade de judicialização se deve ao chamado princípio de não retrocesso.

Esse princípio proíbe o Legislativo de anular direitos sociais e fundamentais já efetivados. Para Guimarães, no entanto, os benefícios para os setores interessados podem pesar na análise da Corte. “(O texto pode ser questionado) no STF via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Porém penso que mais vale aí o princípio da maior produção do interesse público, tendo em vista principalmente a desburocratização de alguns projetos que devem ser implementados, principalmente na região amazônica”, afirmou.

Ambientalistas discordam. O Greenpeace Brasil classificou o texto como uma “licença para desmatar e destruir” e que pode abrir espaço para novos desastres no país nos moldes das barragens da Vale e da Samarco em Brumadinho (MG) e em Mariana (MG).

Para Mariana Mota, gerente de Políticas Públicas da entidade, a nova legislação dá condições para a aprovação de projetos polêmicos. “Não se trata de agilidade, mas de um atalho perigoso cujo resultado serão obras sem o crivo de quem entende de impactos reais, e o país pagando a conta em conflitos, degradação e desastres anunciados”, afirmou a porta-voz.

 

 

postado em 23/05/2025 03:55
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